quarta-feira

PT281+ - Penamacor a Penha Garcia



Saímos de Penamacor seriam 10 horas da manhã com o pico do calor a chegar com enorme rapidez. A etapa tinha ca.37km pelo que sabíamos que iriamos apanhar as horas de mais calor do dia. A disposição era excelente, a motivação estava em alta ... queria chegar o mais tardar por volta das 17h30 para poder dormir umas duas ou trés horas. Era essa a ideia. Estava tão enganadinho.

Mal saimos levamos logo com aquele bafo sufocante. O percurso leva-nos por caminhos que rasgam campos agricolas e de pasto de animais. Corre uma ligeira brisa que nesta altura sabe como um euromilhões. Vamos a um excelente ritmo, sentimo-nos bem e vamos a progredir de forma excelente ... 9km em 1h15 ... espectáculo ... a andar assim chegaremos 1 hora mais cedo que o previsto. Santa inocência!!!

Hmmm… cheira-me que isto vai dar merda


Chegamos a uma aldeia e alapamos no primeiro café – ando desejoso de um café desde Sabugal, além disso quero uma cola gelada com gelo e quero água gelada para repor os flasks que neste momento contém um chã quente horrível. „Já não temos água fresca, os vosso colegas raparam tudo“ ... olha foda-se, só faltou dizer, „andassem mais rápido“. Mas deu para o cafezinho e para duas águas das pedras geladas. Siga ...




Mal saimos da localidade passa a Rute de carro e diz que há um outro café um pouco mais abaixo na terriola seguinte ... voltamos a parar no tasco e desta vez conseguimos comprar água fresca. „Queria um calipo por fvr“ ... „não temos gelados, devem chegar hoje“ ... „ora foda-se“

Com sensivelmente 1/3 da etapa feita pusemos novamente os pés ao caminho mas a paragem deve ter-nos feito mal. Ou então era o facto de serem 12h e estar o pico do calor, a brisa já praticamente não existir, de termos quase 15km pela frente até Monsanto por um terreno árido e sem qualquer ponto de água, praticamente sem sombras, os líquidos que levava serem autênticas sopas de tão quentes que estavam e a nossa língua colar no céu da boca mesmo quando bebias 200ml de uma só vez. No meio disto chegamos aos 100km, com ca.18h45m o que não era nada mau. 

100km feitos ...


A coisa não estava fácil para nenhum de nós, mas comecei a achar o Artur a ir-se abaixo. Eu não ia muito mal tirando a sede constante e o ter que racionar água. Tentava urinar de vez em quando só para ir controlando a cor da urina e não estava a gostar da evolução que a coisa estava a levar – Dyoralite para dentro do bucho, uns géis (com aquele calor são ainda mais horríveis) ... era o tudo por tudo para evitar a desidratação.




Começamos a ficar resmungões ... víamos Monsanto do nosso lado em esquerdo bem lá no alto mas o percurso levou-nos para o lado contrário ... iamos contornar e subir do outro lado. „Foda-se, cabrões do caralho ... isto é alguma coisa??? Isto faz-se???“ ... a progressão agora era lenta, ainda se corria uma vez ou outra. O Artur estava a fazer um esforço enorme para acompanhar. „Então Artur, como estamos?“ ... „tou fodido do gémeo“ ...

Interminável aquela fase, nem uma pequena poça de água que nos permitisse molhar a cara, o pescoço, beber água quente é horrivel mas não temos outra hipotese. Esperamos chegar a Monsanto o mais rapidamente possivel.


„Então Artur? Estive a pensar, se calhar ficavas a descansar duas horitas em Monsanto e depois ias ter conosco a Penha Garcia ... combinamos saída às 21h“ ... ele estava mesmo muito desgastado e era a forma de poder recuperar. „Não se preocupem comigo, vocês seguem, amigo não empata amigo“ ... isso é verdade, mas nunca na vida iriamos deixar alguém para trás nesta situação. A coisa estava mesmo perigosa. Pelo menos até Monsanto vamos juntos.

olhem lá em cima daquele monte … aquela aldeia é Monsanto 

Finalmente chegamos a uma estrada em alcatrão e Monsanto começou a aproximar-se. Sabem que existem Anjos? Não sabem ficam a saber. Íamos nós a caminhar pela estrada fora num estado lastimoso passa um casal de carro, estavam a acompanhar alguém que devia vir mais atrasado que nós. Dão meia volta e param ao nosso lado ... „precisam de água?“ .... nem imaginam como me soube aqueles golos de água natural (pq fresca tb já não tinham) ... estou a escrever e estou emocionado pq foi mesmo mesmo um gesto enorme ... uns autênticos anjos que nos apareceram naquela hora. 

Estava na hora de subir a Monsanto ...  puta que pareu, a sério ... que puta de inclinação, por uns trilhos de pedras enormas que escaldavam os pés, com calor, cansados, esmurrados, abatidos a arrastar-nos por ali acima. O Lima a reclamar como nunca, o Artur coitado estava morto – uma eternidade para chegar lá acima. 


Finalmente entramos em Monsanto

Finalmente uma fonte de onde a água saía morna mas sempre era melhor  do que a que tinhamos. Cabeça debaixo da torneira ... ai que bom ....

Café??? Onde há um café??? O meu reino por um café??? .... Cola Zero gelada, 3 litros de água fresca para beber e repor todos os flasks e um calipo. Acho que exagerei pq até fiquei indisposto mas csa foda ... antes indisposto do que morrer desidratado.

Estava na hora de seguir viagem ... o Artur iria ficar por ali. A Rute estava à espera dele para fazer companhia. „descansa bem ... 21h em Penha Garcia para seguir viagem, ok?“ ... „não se prendam por mim, eu depois digo qualquer coisa“ ... fiquei com a sensação que ele ia ficar por ali, mas poderia ser só do momento – podia ser que saisse do fundo do poço. Temos que seguir.

Quando pensava que os 10km que faltavam até Penha Garcia iam ser mais fáceis bem que me enganei. Tirando o inicio em que refrescados até andamos bem, com um ou dois enganos no percurso – faltava o Artur que era quem dominava melhor a cena dos GPS – depois foi novo descalabro, calor, secura constante, xixizinho a ficar amarelo escuro, dores nas pernas e nos pés, as horas a passar e eu a ver a minha hora de soninho a reduzir drasticamente – tudo isto fez soltar o „Gru Maldisposto“ mais maldisposto que há em mim.7

a recta interminável com alcatrão a queimar-nos os pés que nos levava a Penha Garcia

a última foto desta etapa … "foda-se, acabaram-se as fotos, querem fotos? Venham para aqui vocês tira-las" … eu queria era matar alguém ...lol

Caralho, aquela malta da organização deve ter ficado com as orelhas a arder de tantos nomes que lhes chamei, principalmente por já em Penha Garcia nos terem feito subir até ao Castelo, passar por trás da Igreja, descer umas escadas em pedra para ver a praia fluvial espectacular que eles lá tem e dar a volta a toda a aldeia antes de aterrar na Junta de Freguesia ou lá o que era aquela merda a poucos metros onde tinhamos estado antes de ir dar a volta de merda à Vila.

Vinha há mais de 3km sem água com os lábios gretados, já nem salivava. Pensava que Penha Garcia tivesse vários cafés e queria parar no primeiro que encontrasse, mas não ... o percurso fez com que a zona dos cafés fosse a 100m da BA ... puta que os pareu a todos, gozar com o caralho ... não quis saber, parei na mesma e bebi um cola zero com gelo, umas pedras salgadas geladas quase de penalti ... foda-se caralho .... agora já posso morrer, foda-se!!!

Eram quase 19h30 ... mais duas horas do que o planeado o que queria dizer que o tal soninho ia ser reduzido ao minimo. Nem quis saber de comer ... peguei no meu saco e fui para os balneários tomar uma banho rápido. E que bem que soube 😊, muito retemperador. Agora 1 hora de soninho vai saber pela vida ... estendi a toalha de banho no chão de um palco e deitei-me, coloquei o despertador do telemóvel para as 20h40 e adormeci em 2 segundos ... mas acordei 2 ou 3 minutos depois por causa das moscas ... eram mais que muitas e não paravam de pousar e levantar em tudo o que era pele livre ... tentei ignorar, ainda assassinei duas ou trés deixando-as à vista das outras para ver se servia de exemplo e as outras tivessem medo mas não adiantou nada. Não me deixaram dormir ... ainda fiquei uns 20 minutos a descansar, depois levantei-me para tratar das rotinas habituais. Os meus pés estavam uma lástima ... „Bolhas Alert vermelho“ ... envolvi-os numa cama de pomada com a esperança de evitar as temidas bolhas. Comi um valente prato de massa com atum que estava uma delicia e bebi uma sopa de tomate fria que tb estava muito boa. Barriguinha composta, pernas tratadas, um banhinho e um bocadinho de descanso.

Eram 21h ... do Artur a mensagem esperada ... a PT281+ tinha acabado para ele em Monsanto.

Para mim e para o Lima começava a etapa até Idanha a Nova ... 33km ... a mais curta até agora.

Vamos?

10 comentários:

  1. "Caralho, aquela malta da organização deve ter ficado com as orelhas a arder de tantos nomes que lhes chamei" Se tu adivinhasses o que vinha a seguir...

    ResponderExcluir
  2. O que posso comentar quando o texto explica tudo? Apenas reforçar, uma vez mais, a vossa tremenda e inspiradora força mental, sempre com a meta em mente. Espectacular!!!
    Esse duche, o que deve ter sabido! Quando estamos muito cansados, num duche parece que parte do cansaço vai pelo ralo.
    Grande abraço e mal posso esperar pela continuação :)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O duche soube tão mas tão bem .. pena ter sido apenas 2 ou 3 minutos … a opção era não dormir, teve que ser :)
      Grande abraço

      Excluir
  3. Piii, p****, f****, c****, que prova!

    Tal o teu estado que mesmo a escrever ainda estás assim!

    Foi uma pena o Artur mas não vale a pena insistir quando não se está bem e vai ser apenas um prolongar de sofrimento que pode levar a questões bem piores.

    Abraço.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, tenho o que vivi bem cravado na memória - até parece que ainda sinto a língua a colar no ceu da boca :)
      Sim, tive muita pena pelo azar do Artur … eu acho que ele ia acabar aquilo não fosse esse azar .. mas faz parte.
      Abraço

      Excluir
  4. Acho que consigo sentir a tua desidratação, só pela tua escrita... Que desespero! Esses anjos apareceram na hora certa :)

    E este post tem mesmo bolinha vermelha, com tanta palavra feia, a reflectir o vosso estado de espírito! Não imagino a dureza... Mas agora que está feito, deve ser bom olhar para trás e ver que superaram o desafio :)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. :O … bebe água rápido … controla o xixi … bebe um Dyoralite ou dois em 500ml .. oupas :):):)
      As palavras feias fazem parte … é a forma de expressar o que ia na alma naquela altura … e sim, ao olhar para trás é bom, dá para rir e faz-nos sentir orgulhosos e de peito cheio por termos conseguido passar por algo assim :)

      Excluir
  5. Ca ganda artigo! Mesmo ao teu estilo eh eh eh
    Os palavrões mostram bem a dureza da coisa.
    Monsanto e Penha Garcia são muito bonitos mas é para passear...com mais se 100 km na pernas e 40°C é capaz de não ser lá muito agradável.

    Pena o Artur mas oportunidades não irão faltar e os mais de 100 km que ele fez já são brutais!!! Respect.

    Vou continuar a leitura =)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Faz parte :) … esta foi sem duvida a etapa mais dura de todos para mim, evidentemente por causa do calor insuportável que tivemos que superar. Repara … fizemos isto entre às 10h e às 19h, apenas as horas de mais calor.
      O Artur teve azar … levou porrada como eu, mas lesionou-se num gémeo e isso é fatal. Mesmo assim bateu recorde de distância e com certeza aprendeu mais alguma coisa para futuras aventuras.
      Sigaaaa...

      Excluir