NOTA: a Pikinita aceitou o repto de ser ela a escrever sobre esta aventura, que embora seja dos dois tenho a certeza absoluta que será melhor "vista" pelos olhos dela ... mas como o trabalho é de equipa, as fotos sao minhas :) ... aqui vai ... aproveitem que este tasco subiu para outro nivel ...
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Um dia … um dia todos queremos fazer mais do que já fazemos
e fizemos. E eu não sou exceção!
Corro há pouco tempo (desde 2016) e já acumulei umas
brincadeiras engraçadas e muitas histórias e pessoas surgiram através dos
quilómetros que fui acumulando quer por estrada, quer por trilhos, que é onde
mais gosto de andar.
Quando fiz o Ultra Trail Douro e Paiva superei uma
distância bastante acima do que alguma vez tinha feito e nesse mesmo dia fui
muito inquietada pelo número 100! Sabia que ainda não estava preparada e levei
algum tempo para sentir que o 100 já me poderia servir. No final desse ano,
olho um pouco para a frente e penso em voz alta: “Perneta, este ano quero fazer
uma prova de 100 kms”… e um diz vamos, o
outro diz já devíamos ter ido! A verdadeira parceria Mata & Esfola!
Sigaaaaaa! Plano lindo: uma prova nos Picos da Europa em
Junho, seria um desafio mas também um passeio. Uma bela prenda de aniversário…
só que não! 2020… cenas pandémicas e alterações constantes de planos que a
todos nós se impuseram, e esta prova não foi exceção.
Não queria nada de muito duro e fui aguardando a ver o que
surgia entre os certos e incertos. Se
não surge nada, criamos o nosso desafio: “Ó Perneta, uma coisa é certa,
arranja-te que tens de me acompanhar!”
Procurámos, procurámos e… fui parar aos Caminhos de Santiago
que me dizem muito. Considero que todas as pessoas deviam, independentemente da
motivação pessoal para o fazer, passar pelos Caminhos de Santiago. É uma
experiência de vida, que nos dá o que mais precisamos naquele momento das
nossas vidas. Já fiz algumas vezes e estou sempre pronta para partir de novo.
E que tal fazer parte do caminho a correr? Porque não?!
Pensando bem, não é só estrada, nem trilho puro. Temos suporte de tascos e
cafés para o que for preciso, obrigando a menor logística e menor peso na
mochila, haverá sempre alguém relativamente perto para algum percalço e ainda é
a possibilidade do Perneta fazer uma parte deste Caminho Central. É isto!
Escolha feita! Haja Pernas!
O dia chegou num ápice! Deitamos tarde, acordamos cedo,
pouco dormidos. Preparar mochila e siga para o Porto, há um caminho para se fazer!
Eram 5h30, estava de noite. Vento forte e a temperatura nos 15 graus. As fotos
da praxe e começámos a aventura na Sé do Porto às 5h40!
Bora lá atrás das setas amarelas!
Atravessamos o Porto em direção a Leça do Balio. Nestes
primeiros 10 kms ficou de dia! Sabíamos que teríamos a presença do Kaká perto
de Ponte da Pedra. Tentámos que não se preocupasse, era demasiado cedo para um
sábado, mas lá estava ele cheio de mimos para nós. Não tínhamos fome ainda,
fresquinhos, tudo a rolar bem, só queríamos aquele abraço de força e um pouco
de água. Obrigadinhosssssssssss! Soube mesmo bem!
Grande Kaká e Valter ...
Seguimos tranquilos por ali adiante, seta atrás de seta. Começou
uma parte menos interessante por passar a zona industrial ainda antes de entrar
na ruralidade, mas íamos tranquilinhos a fazer os planos da aventura. Vamos
dividir isto pelas etapas do caminho: para completar os 100kms são 3 etapas.
Ora bem, a primeira paragem vai ser em Vilarinho (Vila do
Conde) para um primeiro Pit-stop. Passamos por Gião onde se inicia uma Grande Rota,
vem o Mosteiro de Vairão e depois chegamos a Vilarinho. Ai completamos a 1ª etapa
com cerca de 28kms. É música para os ouvidos pensar num lanche e reforçar a
hidratação. A paragem foi maior que o
planeado. Para fazerem uma torrada devem ter ido comprar o pão e nunca mais
vinham… mas valeu a pena! Estávamos impecáveis! Reforço de água e siga!
Pouco depois, um troço de estrada sem margem para descuidos
pois não havia passeio e a vegetação estava alta, mas saindo dessa zona somos
brindados com a Ponte Medieval de Zameiro, S. Miguel dos Arcos e a seguir S. Pedro de
Rates, Pedra Furada e Barcelinhos que fica colado a Barcelos, onde
completaríamos os 55 kms, mais coisa menos coisa. Partilhamos os trilhos com os
imensos milheirais, agricultores e pouco mais. Vimos apenas meia dúzia de
peregrinos em todo o percurso, albergues estavam fechados e muitos tascos
anunciados pelo caminho também. O tempo aquecera, mas sempre com brisa fresca a
ajudar. Ainda assim, esgotei a água que tinha. Era altura certa para voltar a
atascar! Barcelos tem uma bela recepção: os galos coloridos a relembrar onde
estamos, uma entrada muito medieval com os paços de Reis, o forte e ruas de casas
antigas.
50km em 6h10 ... ai a marretada que vai ser ...
Já sei o que me apetece! Uma sopa, uma sandes e umas minis
para recompor as energias. Cinco cafés, snacks e tascos e nada de sopa… pelos
vistos não se faz sopa aos sábados. Bom, venha o que houver. Merendinha, pastel
de camarão, umas batatinhas salgadas e dois finos fresquinhos a estalar. Mais 2
litros de água para as repor as mochilas vazias e sigaaaa… passou 1h e pouco e
retomamos o caminho para a 3ª e a mais longa etapa, tínhamos 56 kms nas pernas!
2 finos??? 2 para cada um ....
Apesar de ainda me sentir relativamente bem… sentia as
pernas a pesar e pensei: Agora é que isto vai começar!” E começou e o gajo
chegou! Quem? O senhor da marreta!
Isto é tudo um jogo mental! Se fosse fazer uma maratona,
tenho a certeza que o “gaijinho Marretas” aparecia aos 25 a 30 kms, mas metes o
número 100 na cabeça e automaticamente te mentalizas que antes dos 50 kms não
te podes queixar de nada… e comigo, regra geral, resulta. Estávamos com 60 e
poucos kms nas pernas e o cansaço fazia-se sentir e a partir daqui caminha-se
nas subidas e aproveita-se ao máximo o balanço das descidas e mantém-se nos
planos.
brava e gira
souberam que nem ginjas
E assim se subiu até Tamel, que me recordava bem do meu
primeiro caminho de Santiago. Será que é por ser depois de um trilho a subir?!
Depois vem Balugães e Vitorino de Piães. Aqui percebo que as pernas estão mesmo
pesadas, mas há motivos para celebrar: alcançara os 80 kms, distância nunca
antes por mim alcançada! Só falta uma meia maratona dizia o Carlitos… mas nem
por isso parece ser menos custoso… mas nem que seja a caminhar, hei de lá
chegar!
Algures mais à frente uma fonte fresquinha no meio de um
trilho. Soube tão bem, molhar cara, braços e pernas e sentar 5 minutos a repor
o possível com um rehidrate… Percebo agora que parar é pior do que nunca,
retomar a passada parece uma dança de zombies bêbados… as pernas não são
nossas. Alguma coisa é nossa?
Tenho uma espécie de fome e enjoo, mas não apetece nada do
que temos… a imagem da sopa não sai da cabeça. Era mesmo isso que apetecia… mas
nicles! Lembro que chegamos a uma estrada que daria a uma nova entrada em
trilhos já à entrada no concelho de Ponte de Lima e aparece um tasco e sentamos.
Lembro bem que tínhamos 84 kms. Não tinham sopa, não tinham bolos, não tinham
simpatia… então bebemos uma cola para dar alguma energia. Nessa altura as
minhas pernas começaram a latejar, nunca tinha sentido aquilo. Aviso o moço..
“epah, não sei o que se passa, mas daqui não devo conseguir sair, só de
guindaste!” … e só me conseguia rir da desgraça! Não te preocupes, é normal,
não podemos demorar muito aqui! Olha passa o gelo do copo nas pernas, e sem
outra solução melhor, foi mesmo o que fiz!
ainda vai ...
A partir daqui, apenas faltavam 16 kms mas são do mais
desafiante. Estrategicamente agarro-me à contagem decrescente. E agarramos com
força a mão um do outro em cada caminhada. Era o energizante necessário para
mais um bocadinho e mais um bocadinho. Começo a sentir as pernas a normalizar,
pés impecáveis, nunca doeram e assim de repente estamos nas margens do rio Lima.
Já se avista a ponte e sabemos quem breve estamos a ver o sorriso dos Pernetas
Teresa & Flávio que nos vieram esperar.
nesta altura a coisa estava dificil ...
pode doer tudo mas a tacha anda sempre arreganhada
Tinha 90kms e um novo fôlego, mas chegar a Ponte de Lima
não vai chegar para concluir o desafio.
Meninos, vamos avançar até à próxima terriola, venham ter connosco até
ao Codeçal, é lá que cumprimos a distância, nem que tenhamos de dar umas voltas
por ali. Atravessamos Ponte de lima, cheia de gente, com uma luz incrível de
final de dia.
Teresa & Flávio ... os nossos anjos da guarda
Entramos nos trilhos e diga-se que estes últimos trilhos
tinham de ser trail, pedras, sigle tracks, algumas subidinhas… tudo o que se
quer para uma bela despedida. Chegamos ao Codeçal com 98 e pouco. Vimos o nosso
carro de apoio e acenamos a dizer, está quase, já voltamos! Avançamos 800
metros para depois voltar e… Voltamos e estava feitoooooo!
100, fiz 100kms em 14h25m, uma meta improvisada com uma
peça de roupa aguardava por nós e um colorido ramo de flores!
Epah, está feito! Aquele abraço, aquele olhar, aquele
orgulho sentido por mim, e em mim, através dos olhos dele! Sinto-me
incrivelmente bem! J
Ouço o Flávio: “Se a mulher quer sopa, arranjámos sopa!”
Acreditam nisto? Uma sopa caseirinha maravilhosa que ali estava à nossa espera!
Comi e repeti! Era mesmo aquilo que apetecia! Tinham tantos mimos e não
conseguíamos comer nada de jeito. Estava feliz e satisfeita com a sopa e a imaginar-me
dentro do carro a caminho de casa.
No carro, enroscada em mim mesma ao som do rádio, das
conversas soltas, das mensagens a soar no telemóvel, das luzes na noite e
daquelas duas mãos dadas, esboço os meus sorrisos… Está feito e bem feito! E
não podia ter corrido melhor!
O Caminho marca qualquer um, mas desta vez, fomos nós que
demos alegria ao caminho. Faltavam os passos dos peregrinos e nós levamos um
pouco de nós para ali!
Impossível foi conseguir acompanhar a quantidade de
mensagens de apoio, incentivo e força que foram surgindo ao longo dia. Não
conheço parte das pessoas, mas o bem faz bem, e faz toda a diferença fazer algo
deste género com essa força extra vinda um pouco de todo o lado. Obrigada a
todos! Obrigada mesmo!
Em especial, vai um agradecimento àqueles que apareceram
algures : Kaka Jesus, Valter, Teresa e Flávio, Bárbara e Ricardo, até um cartaz
especial tive direito!
Bárbara & Ricardo vieram esperar-nos ao Porto
E claro, ao grande Perneta Mor que é o maior apoiante deste
feito. A força e as pernas são minhas, mas o incentivo e a maneira em como me
fazes acreditar que é possível é muita responsabilidade tua. Bebo das tuas
experiências e aprendo alguma coisinha com isso J
O ditado diz: “Se queres ir rápido, vai sozinho. Se queres
ir longe, vai acompanhado!” Juntos, vamos cada vez mais longe, é um privilégio construir
contigo esta nossa estranha e boa forma de vida J
Obrigada Carlitos por tudo, nesta e outras aventuras mas
esse aperto de mão nos momentos certos serão sempre o maior marco e a melhor
imagem desta aventura.
Fazes desta tua Pikinita uma pequena grande aventureira!
aventureira e gira ...