sexta-feira

E agora??? ...


A primeira metade de 2018 correu bem. Tinha três objectivos principais para cumprir e conseguiu-se o pleno por estas bandas.
O mais importante de todos era voltar a correr normalmente, com regularidade e sem dores ou mazelas constantes como em 2017. Podia estar mais avançado a nível de forma mas estou mesmo muito contente por estar a correr há semanas seguidas sem aquelas paragens forçadas constantes – estou a bater na madeira J

A outra era em conjunto com a malta fazer com que os Trilhos dos Pernetas 2.5 fossem um sucesso – e foi a todos os níveis. 

O 3º e último era terminar os Caminhos do Tejo batendo o meu recorde de distância – concluído com sucesso faz amanhã uma semana. A bitola agora está nos 144km.

Perfeito!!!
E agora? Depois de recuperar em pleno dos Caminhos do Tejo vou dedicar-me à estrada. Estou cheio de vontade de voltar a correr por um objectivo de tempo, de fazer treinos específicos, series, rampas, fartleks … de sentir o coração aos saltos, os pulmões a rebentar e o sangue na boca. 
Chegou a altura de me dedicar à minha distância preferida – a Maratona – e não me refiro à de Roma, refiro-me mesmo à verdadeira. Tenho duas no programa em 2018, uma para fazer em modo turismo em meados de Setembro em Berlim…


... e a habitual lá para início de Novembro no Porto. E é nessa que eu vou apostar em bater o meu RP – está em 3h14 – o meu objectivo é baixar das 3h10.  Tá dito!!! Ao contrário dos últimos anos vou mesmo dedicar-me a este objectivo – não que dizer que vou seguir um plano rigido mas vou ver se consigo pelo menos evitar em meter-me em “loucuras” durante os meses que antecedem a do Porto. Pode ser que chegue à forma de 2016 … pelo meio vou fazer uma ou outra prova de estrada para aferir a forma …

Próxima paragem … os 15km da Corrida das Fogueiras em Peniche no dia 30 de Junho, para a desbunda. Será um fim-de-semana com os Pernetas em Peniche, sardinhada incluída …  fujam J

Mas antes ainda vou até à Alemanha na próxima semana … a zona é bonita e acho que vou ter oportunidade de correr e de tirar fotografias (leia-se “meter nojo” J).
Bom fim de semana!!!

terça-feira

Caminhos do Tejo 2018 - uma loooonga aventura




Tá feito ... acabei os 144km da Ultra Caminhos do Tejo deste ano. E modéstia à parte sinto-me muito orgulhoso por isso, não só pela conquista deste objectivo pessoal e da maneira como o consegui mas também muito por tudo o que tive oportunidade de viver nestas quase 25h que precisei para os concluir. E estou grato, muito grato por tanto mas tanto apoio que tive, apoio esse que autenticamente me carregou de Lisboa até Fátima J
Mas não foi fácil … nunca o é para empreitadas deste género. Quem acompanha aqui este tasco sabe que a preparação não foi a melhor – por vários motivos desleixei e sei que não fiz os mínimos. Depois a 1 semana do grande dia fiquei doente, melhorei nos últimos dias e na última noite apanhei frio (quem manda ser burro) e tive uma recaída. 
Acordei adoentado na 6ª feira … dores no corpo, tosse e a deitar para fora umas cenas esverdeadas por nariz e boca J … “tá bonito!!” … Vitamina C e empurrar o pequeno-almoço (eu sem fome é muito raro). 
Preparar toda a logística e siga para Fiães, almoço nos paizinhos, apanhar o Nuno e siga para Espinho para apanhar o comboio para Lisboa. Uma viagem tranquila em que praticamente dormi o tempo todo – quando chegamos estava suado – fui à janela e levei com o sol sem me aperceber, o estado adoentado fez o resto J … “tá bonito” … só há um remédio para isto …


Cerveja fresca e conversas animadas … e foi assim que passamos o tempo pelo Centro Comercial … e até passou rápido.

Eram 18.30h e fomos “cheirar” a zona da partida … a organização (Mundo da Corrida) já lá estava mas ainda não entregava dorsais. Entretanto sou abalroado por um gajo na rua e quando já lhe ia chegar a roupa ao pêlo (sou um gajo muito violento J ) vi que era o João Lima … tinha vindo fazer uma surpresa, dar apoio aqui ao Perneta e ao primo dele (o Nuno é Lima tb J) … posso dizer que já desconfiava, depois de um telefonema uns dias antes J … que bem que soube e é de valor … o João trocou a estreia de Portugal no Mundial de futebol para dar uma abraço a um Perneta que não sabia em que se estava a meter J 

Grande João :) 

Entre equipar nas casas de banho do Centro Comercial, levantar dorsal, festejar o primeiro golo de Portugal, um bocadito de conversa e umas fotos, o tempo passou rápido. Estava um vento forte, de frente. Sentia-me bem melhor … as cevadas frescas e a boa companhia curaram-me J Chegou a hora … agora é que iam ser elas J 



Pavilhão de Portugal, Lisboa – Praia dos Pescadores, Santa Iria (km 19km)
Briefing e partida … uma partida simples, em companhia de amigos e familiares para os ca.45 inscritos nesta epopeia. E ficamos logo para trás … a ideia era poupar ao máximo nos primeiros 50km, tentar não entrar em exageros desgastando o mínimo possível. Parece fácil na teoria.


Na prática não é … sentes-te fresco, a zona é bonita, vês o grosso do pelotão a galgar e a afastar-se e tens que ter o discernimento suficiente para não ires na onda. Não sei correr a 6,30-7min/km, ou seja, sei mas desgasto-me mesmo muito … vou tentar intercalar corrida com caminhada … é tudo plano … aquela táctica de correr nos planos e descidas e caminhar nas subidas aqui não funciona nesta prova. Como vou fazer? Sinceramente não sei … é aqui que entra a companhia … o meu amigo Nuno Lima* 
*toda a gente que corre faz novos amigos devido à corrida. Eu não fujo à regra. Mas tb tenho a sorte de ter reencontrado alguns amigos de infância após muitos anos sem qualquer contacto. O Nuno é um mês mais velho do que eu (tauuuu … J .. quem é o velhinho, quem é?) … e a avó dele era vizinha da minha. E eu quando era miúdo vinha de férias em Agosto e brincávamos juntos com outros miúdos mais ou menos da nossa idade – numa rua com 300m havia uns 10 ou mais … era uma festa para nós e um vê-se-te-avias para os nossos pais e avós – bons tempos, sair de casa de manhã e voltar quando tínhamos fome J … estivemos seguramente mais de 30 anos sem grande contacto até nos cruzarmos há uns anos na Meia de Cortegaça. Daí a metermo-nos em muitas aventuras foi um passinho e aqui estávamos nós – na maior de todas elas J … dois Pernetas mal preparados mas com uma vontade de ferro em chegar a Fátima. 
Juntos conseguimos ir gerindo aqueles primeiros km. Ora corríamos, ora caminhávamos … “não te esqueças … comer antes de ter fome, beber antes de ter sede” … sentir o corpo, antecipar as situações e ir avançando … era essa a nossa táctica, a minha e a do Nuno. Gira a zona ao lado do rio Trancão.




E até ao primeiro abastecimento na Praia dos Pescadores (Santa Iria da Azoia) aos 19km formou-se um grupo com talvez uma dúzia de malucos que iria ser a nossa companhia durante quase toda a viagem. Não que fossemos juntos, mas íamos passando e ser passados ou então fazíamos ponto de encontro nos muitos abastecimentos espalhados ao longo do percurso. Um deles era o Rui Pinho que era dos poucos que eu conhecia pessoalmente de todo um pelotão com muita gente experiente neste tipo de provas – e com o Rui Pinho não há forma de ir sossegado J … aquilo é histórias atrás de histórias, e claro que o tempo assim até passa melhor, pelo menos enquanto se vai bem dispostinho … caso contrário tinha que o atirar ao rio, ou saltar eu J.

Correu bem estas primeiras 2 dezenas de km – tb era melhor J … a organização tinha “prometido” fartos abastecimentos e não falhou. Muita diversidade, havia de tudo para todos os gostos e feitios. E havia também algo que iria ser muito importante – simpatia, palavras de incentivo e um carinho enorme por cada um de nós J Sigaaa para Vila Franca de Xira …
comes&bebes … a nossa especialidade…

Praia dos Pescadores – Vila Franca de Xira (ca.32km)
A primeira parte corrida pelos passadiços de madeira junto ao Tejo à luz do frontal. Deve ser bonito com luz do dia. Sinalização impecável através de pequenos autocolantes reflectores. Não há como enganar – além disso cada um de nós levava um localizador gps – estávamos a ser monitorizados e caso saíssemos do percurso seriamos avisados via telefone. Nunca chegou a acontecer connosco J 

A segunda parte deste troço foi menos agradável … foi corrido nas bermas de uma estrada nacional com muito transito de 6ª feira à noite. Chega a ser perigoso e todo o cuidado é pouco.  
Em Alverca andamos de escadas rolantes para passar a linha de comboio J e fomos (eu e o Nuno) tomar um café a um tasquinho – o dono do café tb corria, fazia uns trails ali pela zona … passado um pouco aproxima-se outro gajo que tb corre, mas provas de estrada e até já ganhou medalhas e tudo – não podemos sair dali sem ir espreitar a vitrine cheia de medalhas e taças daquela malta. Impecáveis … mas tivemos que pagar na mesma, pois amigos amigos, negócios à parte J … ao sair recebemos enorme ovação daquela dúzia de pessoas que nos desejaram a maior das sortes. Acreditem que nos dão cá uma força J
olhem ali ...

chegamos a Alvercagar ;)

aqui está o atleta que ganha tudo aqui na zona … 

Alhandra e depois já em Vila Franca percorremos toda a zona junto ao rio, uns km valentes de longas rectas de ciclovia antes de chegar ao abastecimento com quase 35km nas pernas. Tudo tranquilo para já. 

eu bem queria, mas não podia andar mais rápido .. 

Vila Franca – Azambuja (51km)
Noite escura, muitos km feitos em estradões em terra, com piso bastante irregular, a maior parte ao lado da linha de comboio. Este troço fizemo-lo sozinhos, ambos os dois J  .. sozinho teria sido muito mais complicado. Continuávamos a alternar corrida e caminhada vigorosa e o giro nesta parte foi que um casal usava a mesma táctica, só que ao contrário … enquanto caminhávamos eles corriam e vice-versa … resultado … estávamos sempre a passar uns pelos outros J … dizíamos sempre “até já” J

Passamos a distância da Maratona com 5h20 mais ou menos o que era excelente e não tardamos a chegar ao centro da Azambuja, onde dentro de uma pequena casa estava instalado o abastecimento. Era a casa do João, um membro da organização que estava ao serviço como cozinheiro – aqui além do habitual havia bifanas e sopa. Mandei uma malguinha de sopa abaixo – soube que nem gingas. Estivemos algum tempo neste local, a recuperar forças … as pernas já davam sinal ao fim de um pouco mais de 50km. Oupas … Valada espera por nós.

Muito bom … 

sopinha que faz bem, aquece a alma e tem sal ;) 


Azambuja – Valada (64km)
Depois de atravessarmos a estação de comboio da Azambuja começamos a correr … noite escura, alcatrão em excelente estado, rectas enormes que felizmente não vemos. Agora sei que exageramos … não consigo saber ao certo mas devemos ter corrido uns bons 3km seguidinhos a bom ritmo o que desgastou … os músculos posteriores das coxas já davam bem sinal – mas havia algo que me estava a preocupar mais – os calcanhares, ambos os dois J … sentia que se tinham formado bolhas, mas como não incomodava assim tanto não liguei nenhuma.
E foi com uma 2ª parte deste troço com mais caminhada do que corrida que chegamos a Valada, seriam 4.50h da matina … a primeira barreira horária desta prova era aqui e estávamos com 40min de vantagem. Demoramos uma boa meia hora, entre abastecer, mudar de roupa (eu só mudei camisolas) e descansar. Mais uma vez bons abastecimentos e pessoal do melhor – atenciosos e sempre com as palavras certas para connosco. 
Estava com as pernas bastante desgastadas e tinha sofrido uma desilusão à chegada – enganei-me a fazer a minha sabatina para a prova e o meu papelito dizia que havia massagem neste abastecimento. Mas não … era na próxima em Santarém.

 Valada – Santarém (84km)
Estes ca. de 20km foram a parte em que me senti pior em toda a prova. E até começou muito bem tirando as pernas muito moídas … saímos do abastecimento já com os primeiros raios de luz a chegar o que deu para voltar a ver o rio do nosso lado direito.  O esplendor da luz do dia abriu um excelente quadro que me fez esquecer um pouco as dificuldades com que estava a nível de pernas. 
chegou a luz do dia…

Um pouco mais à frente, a correr, vejo qualquer coisa escrevinhada a giz branco no alcatrão … consigo ler “Força” e qualquer coisa começada por “Pe…” … sinceramente pensei que fosse “Pedras” e associei ao Rui Pedras que vinha um pouco atrás de nós … e decidi voltar uns 20m para trás para avisa-lo, não fosse ele não se aperceber. Quando chego perto …. “Ó Nuno … não acredito nisto … anda cá ver” 
obrigado Sofia … muito obrigado …

J J J … espectáculo. Alguém nos confins do mundo ribatejano tinha-se dado ao trabalho de escrever estas palavras de incentivo no chão – para mim, para o Perneta J … conseguem imaginar a força que isto dá? A motivação extra que é ler algo assim quando estás tão longe de casa? Pois é verdade … 
Depois de arrancar a questão que pairava era “quem teria sido?” e ao ver uma placa a indicar a localidade de Muge não tive dúvidas … foi o Jorge Branco … não conheço mais ninguém por estas bandas. Coloquei a foto no FB na hora e qual foi o meu espanto quando descubro que não tinha sido o Jorge … tinha sido a Sofia do blogue Runner Wannabe que eu não conhecia ...
As pernas continuavam muito massacradas … demais para esta altura, com apenas metade da distância total feita. Guardava para mim os pensamentos negativos que me assolavam (como vamos aguentar o resto neste estado, ainda falta outro tanto, está calor demais, não vou conseguir) … foi sem dúvida nenhuma a pior fase da prova para mim. Pernas massacradas, moral em baixo, num longo percurso em estradão irregular de terra batida com campos agrícolas a perder de vista de um lado e de outro … ao fundo já se vislumbrava Santarém, construída sobre uma colina … caminhávamos muito e corríamos pouco … e parecia que Santarém se afastava, que estava cada vez mais longe … 

Quando se faz uma prova destas com outra pessoa temos que estar cientes que o ritmo será sempre ao ritmo do mais lento. E quando digo mais lento refiro-me em cada momento da prova pois é normal que os altos e baixos de cada um sejam em momentos diferentes. Em todos os km que fiz com o Nuno até nisso senti uma sintonia incrível … quando ele estava mais em baixo eu tb estava e quando se sentia bem eu tb me sentia bem … parecia combinado J … e nesta fase estávamos os dois em baixo, os dois rabugentos porque os km não passavam e porque Santarém tinha sido construída em cima de um monte que era preciso “escalar” … Scalabitanos do catano … não sabiam construir a coisa cá em baixo??? J
Quando finalmente encontramos as primeiras casas vemos um atleta a fazer um treininho em sentido contrário …. “ó páh … pega lá o meu dorsal e vai fazer uns km por mim que eu já não posso” J … o moço deu a volta e juntou-se a nós … “venham daí que eu conheço isto tudo e levo-vos lá acima” … e assim foram os últimos 2 ou 3km, na companhia do bem disposto Artur, um dos organizadores da famosa Scalabis Night Race e do Assalto a Santarém, entre explicações históricas e indicação de trilhos, conversas sobre provas e o caminho que ainda nos faltava o tempo passou relativamente bem. E assim chegamos ao alto de Santarém, ao abastecimento dos 84km. Bela ajuda Artur … muito obrigado.
"é ali em cima" … grande Artur ...


chegamos … finalmente ...


Aqui notei o Nuno mais desgastado do que eu. “Nuno, temos tempo … vamos descansar, massagem e vamos almoçar a um tasquinho por aí para variar” … e assim foi. Sem pressas … massagem com o Rui (massagista de serviço), impecável … ao nosso “obrigado” ele respondeu “não me agradeças assim, o melhor que me podes fazer é cortares a meta em Fátima” … e é isto J … esta organização carrega-nos as baterias com isto, com carinho e atenção, as palavras certas nos momentos certos, coisas que não se compram J

Ainda assistimos à partida da Ultra dos 57km. Enchemos os cantis de água e isotónico e seguimos umas duas centenas de metros antes de encontrar um tasquinho que nos parecia simpático e alapamos o traseiro na esplanada, à sombrinha J

Santarém – Santos (104km)
Umas minis frescas, uns folhados mistos e um café. Refrescar na casa de banho e colocar o telemóvel a carregar. Uma senhora da organização que estava ali a tomar o seu café assiste à cena … quando saem, passam por nós dizem “isso está pago” … mas ???? mas ??? … éh páh … não era preciso … mais uma vez insisto … levam-nos ao colo nesta prova J
Seguimos a caminhar para fora de Santarém para voltar a apanhar os caminhos … está calor … espero que a massagem e o descanso tenham efeitos positivos porque este último troço deixou-nos de rasto.

Como é a descer ensaiamos uns passinhos de corrida e a coisa até se faz bastante bem J agora corremos sempre (um trote entre os 6 e os 7min/km) nos planos e descidas e caminhamos nas subidas. 
A partir de Santarém o percurso é muito diferente que até aqui. Depois de 84km de longas rectas e percursos planos (imaginem 200m D+ antes da subida para Santarém) chegam os troços com mais sobes e desces, menos rectas, entradas e saídas em povoações e paisagens onde predominam verdes e amarelos – esta segunda fase da prova é menos desgastante por isto, penso que ao contrário deveria ser terrível – vir desgastado e enfrentar longas rectas deve ser de morrer. 
O maior problema agora era o calor … havia algumas sombras do lado direito da estrada e, mesmo sendo com os carros nas costas, tentávamos aproveita-las. A sorte era o ventinho que se fazia sentir … o que foi uma dificuldade extra durante a noite, desagradável em algumas alturas, agora era um forte aliado porque ajudava a refrescar. Mesmo assim era necessário refrescar o mais possível e valia tudo … além de bebermos muito, aproveitávamos cada fonte que aparecia para nos molharmos e chegamos a pedir para entrar no quintal de uma senhora para usar a torneira dela … toda a gente que encontramos pelo caminho foi simpática e prestável … não temos uma razão de queixa J

Uma das melhores formas de nos refrescar é comer gelados de gelo … um sacrifício enorme para dois lambareiros como nós. Quem não gosta de um calipo geladinho quando está um calor abrasador??? E se estiverem com muito calor e estafados??? Melhor ainda … foi neste troço que comemos o primeiro, logo à saída de Santarém, um espécie de sobremesa J
melhor que isto? Nada ...

Passamos Azoia de Baixo onde encontramos uns peregrinos bem dispostos que vinham de Lisboa … “se virem um Sr. de cajado à frente avisem que estamos a chegar”. Não fazíamos ideia do que pretendiam … uns 2 km mais à frente ficamos a saber … no meio do nada, num corte de estrada poeirento havia uma barraca cheia de bandeiras, camisolas e todo o tipo de lembranças de peregrinos, barraca essa habitada por um senhor de idade … “bom dia senhor” … “bom caminho rapazes” … “viram algum grupo de peregrinos aí atrás?” … e fez-se luz … era este o senhor que devíamos avisar …. “sim sim, estão mais ou menos a meia hora daqui” … seguimos o nosso caminho, o senhor Francisco teria com certeza um bom par de histórias para contar …
foto escandalosamente roubada ao Rui Pinho .. :)

A casa onde nos deixaram refrescar era numa aldeia chamada Advagar, que era como nós íamos … chalaça óbvia … Advagar, vagar, devagar J J J. Nesta altura eramos os últimos em prova … tínhamos saído de Santarém muito depois do último partir e não tínhamos passado ninguém. Sem stress, temos tempo J 


Dois marcos importantes nesta fase … passamos os 100km, e aos 101km o Nuno Lima bateu o recorde dele de distância … pétaculo J
E se à entrada de Advagar nos refrescamos com um banho de água da torneira, à saída (uns 200 ou 300m mais à frente) refrescamo-nos com duas belas minis geladas bebidas no único tasquinho da aldeia (pelo menos que se visse) … quem disse que a melhor forma de refrescar em dia de calor eram calipos? Parvo J … minis fresquinhas é que é J … mais umas conversas com gentes da terra, sempre simpáticos e afáveis. Um ciclista que também faz ultras diz-nos “o abastecimento em Santos está perto … uns 3 ou 4km … venho de lá, fui apoiar um amigo … chegam lá rápido”.
Melhor que isto? Nadinha …

Não foi bem assim … 3 ou 4 km nesta fase, mesmo correndo nas descidas e em plano sempre dava uma meia horita. 
“Nuno … óh páh … não me apetece comer. Estamos bem e devíamos aproveitar a onda, abastecer só de líquidos e seguir para Olhos de Água … são apenas 11km. Que dizes?”
Diz o Nuno “Claro … tb não apetece comer. Enchemos as garrafas e siga …”
Dito e feito … mais ou menos J

Santos – Olhos de Água (115km)
No abastecimento de Santos  … “saiu daqui agora mesmo um grupo grande” … “ok, só queremos abastecer de líquidos” …. 3 ou 4 fatias de Pizza, uma sopa, fruta e pelo menos 3 bolos … foi o que eu comi J … o Nuno pelo menos o mesmo … é como digo, nada como ter uma estratégia bem definida, seguir o plano focado, com método e cumprir o que se combina como equipa J
Mais uma vez a malta do Mundo da Corrida foi 6 estrelas. Nem sei o que dizer mais, não se explica, só estando lá.
E siga para Olhos de Água onde seria a segunda e última barreira horária da prova … 20 horas era o limite. Tinhamos 2 horas e meia para fazer os 11 ou 12km – tranquilo se não nos pusermos com muitas coisas pelo caminho J 

Estávamos numa fase boa … continuávamos a correr em plano e nas descidas e só caminhávamos nas subidas. Curiosamente não doíam as coxas, apenas os gémeos. E não tardou a ver outros atletas a nossa frente … e começamos a passar, uns, depois outros, depois outros … era aproveitar a onda para avançar. Era mesmo uma fase excelente e Olhos de Água estava apenas a 3 km de distância.


Numa longa descida em alcatrão vou na frente do Nuno a imprimir o ritmo … continuamos sem exagerar, a trote, 6 a 7min/km apenas (quem disse que não sei correr a estes ritmos???) … vou entretido nos meus pensamentos quando me apercebo que o Nuno ficou para trás … viro-me e vejo-o agarrado à perna esquerda … “então?” … “tou lixado do gémeo” … ele já se vinha a queixar de uma dor no gémeo e atrás do joelho esquerdo há algum tempo. Mas é normal, com todos estes km temos dores em alguma parte do corpo … é gemer e seguir. 

Mas ele não consegue … paramos um pouco … depois tentamos seguir mas a coisa está complicada. É a mancar, de perna esticada e a passos curtos que se fazem estes longos 2 ou 3 km que faltam até ao abastecimento de Olhos de Água.
Muito difícil de gerir … vi imediatamente que a viagem do Nuno tinha acabado ali … ele estava completamente destroçado o que é mais que normal. Tentava mante-lo calmo … “vai à tua vida caralho” … “tás doido, vamos juntos até ao abastecimento … depois logo se vê … tens lá massagista, pode ser que se consiga desbloquear isso de alguma forma”  … as odds estavam todas contra mas eu queria acreditar num milagre … foram longos estes km … fartou-se de me mandar à vida, uma das vezes até de uma forma bastante rude … “morrer na praia, não acredito nisto” … 


O moral estava em baixo na chegada a Olhos de Água … um sitio lindo que não deu para desfrutar. A prioridade agora era ver se conseguiam colocar o Nuno em condições de prosseguir. Deixei-o com a massagista de serviço e fui trocar de camisola, encher as garrafas e pensar na vida … esta não estava nos planos. Sabemos que acontece mas nunca pensamos nisso.
“CAARLOOOS!!!” … era a voz determinada do Nuno dentro de tenda das massagens. Fui a correr …. “dá-me o teu frontal que eu vou acabar isto nem que seja à meia-noite” … a massagista olhava para mim com ar reprovador e eu entendi a mensagem … 
Custa dizer a um amigo que o melhor é desistir … que provas existem muitas e corpo só há um … tive que fazer das tripas coração para o fazer. Enquanto vinha atrás dele naqueles intermináveis 2 ou 3 km já tinha ensaiado o discurso várias vezes. Na hora saiu de forma diferente … nem sei bem o que lhe disse, sei que lhe dei exemplos meus, a famosa Maratona de Roma com 11km por exemplo … “ninguém morre, nada tens a provar e já foi bom fazer 115km” … tudo tretas para ele, sei bem como é. O Nuno estava bem e ia acabar a prova, não tenho qualquer dúvida … foi um azar, algo que faz parte do jogo. Enquanto eu fiquei na massagista a tratar do meu gémeo esquerdo, o Nuno foi sentar-se á beira rio, enfiar as pernas na água fria com a esperança de que isso fizesse o tal milagre.
Uns minutos depois fui ter com ele … não foi preciso dizer quase nada … ele nem levantar em condições se conseguia. Um abraço sentido, uma despedida dolorosa do meu companheiro de viagem, do meu amigo Nuno … ele só dizia “desculpa, desculpa…” … desculpa??? porra … eu pouco conseguia dizer, tinha que me concentrar para não suar dos olhos, despedi-me e segui viagem ….

Olhos de Água – Minde (123km)
Faltavam 30km … pelos mapas os mais complicados a nível de altimetria e pelo que diziam com alguns troços mais técnicos, incluindo uns single-tracks.

Era novamente o último dos que estavam em prova. Sentia-me bem fisicamente, excluindo o gémeo esquerdo que estava a chatear um pouco e os dois calcanhares que deviam ter bolhas gigantes – evitei banhocas nos riachos e nunca troquei de meias porque tive medo de piorar a situação. Os primeiros sintomas de bolhas foram por volta dos 50km, há quase 15 horas atrás. Umas vezes melhor, outras vezes pior foi-se aguentando. Era pior a caminhar do que a correr.
Correr sozinho foi algo novo para mim … mantive a mesma toada com que vinha com o Nuno – continuava a correr nas descidas e planos e a caminhar nas subidas. Rapidamente apanhei alguns companheiros de viagem que agora só caminhavam … juntar-me ou seguir? Sem dúvida … aproveitar a onde e seguir viagem.
Ainda tivemos outro abastecimento em Covão do Feto (ca.120km) antes de enfrentar a maior subida de todo o percurso … trilhos mais técnicos, muito inclinados com muita pedra … pensava no Nuno, se tivesse vindo não ia conseguir passar esta fase. De Covão de Feto até Minde eram apenas 4km, 2 a subir e 2 a descer. Embora durinhos gostei bastante porque diversificou um pouco a coisa … continuava é com os calcanhares numa lástima e a doer a cada passada.


A paragem em Minde foi a mais curta de todas. Apenas enchi as garrafas mais uma vez e siga. Acabar isto rápido.

Minde – Fátima (144km)
Faltava agora sensivelmente 1 Meia Maratona … com 10km para subir até às eólicas e depois outro tanto para chegar a Fátima. Fácil não é?
Não, não foi!!! Além dos calcanhares muito doridos várias vezes fiquei com os músculos das pernas a latejar … era obrigado a parar um bocadinho para alongar sem esticar demasiado para não rasgar. Tanto sentia as pernas a fraquejar como a seguir conseguia correr.

E foi assim que fui avançando … depois das eólicas entrei no modo luta psicológica. É aquela fase em que sabes que falta pouco e já não tens paciência. Esgotou!! Cada km agora demora um eternidade … os marcos com a distância que falta até Fátima demoram cada vez mais a aparecer … e não é por andar mais rápido ou mais lento, é mesmo porque estou sem paciência, sempre a olhar para o relógio de 100 em 100 metros.
Hora de sacar de um táctica que aprendi em aventuras passadas … ligo para as minhas meninas, para a minha mãe, para a Dora … tenho a sorte de receber algumas chamadas dos amigos … só o Lobo ligou-me umas 3 ou 4 vezes nas últimas horas. 
Vou espreitando as publicações que fizemos no FB durante o dia – outra táctica que resultou em pleno – fazer os vídeos, colocar online, ver os comentários e rir deles durante o caminho foi uma ajuda enorme. Quando tinha ido com o Nuno fazer Aveiro-Granja, na brincadeira surgiu a história de ir postando os vídeos e funcionou bem – daí a aplicar nos Caminhos do Tejo foi um instantinho. E funciona mesmo bem para quem encara isto como nós o fazemos J
Já não faltava tudo para outro marco importante nesta viagem … quando faltavam 9km para o fim cheguei aos 135km … a maior distância que alguma vez percorri a pé J .. por 1km estava batido o recorde … agora cada km era colocar a fasquia um bocadinho mais alta para o futuro J

Custou tanto chegar ver as placas seguintes, primeiro 8, depois 7 e nunca mais chegava o 6km para Fátima. Quando vi essa placa não sei o que me deu mas decidi correr, correr a sério … não naquele trote que utilizava quando as pernas davam um bocadinho de tréguas.
“Csafoda … é até partir” … e abri caminho … o relógio marcava ritmos entre os 5 e os 5,30min/km, mesmo quando o percurso inclinava um pouco eu não abrandava. Sentia-me supersónico e não sei como, mas não sentia dores nas pernas nem nos pés e parecia que conseguia correr assim eternamente. Juro que não tomei nenhuma bomba!!! J
Até à placa dos 5km foi um tirinho e quando vi a placa dos 4km para Fátima toca o telemóvel … era o Lobo mais uma vez J … caminhei enquanto atendi … quando desliguei aproveitei e liguei à Dora e ao Nuno para os avisar que só faltavam 4km “agora vou correr” foi a minha frase final J … e corri, corri tipo Forrest Gump (um bocadinho mais lento, mas vocês percebem a cena J ).  
Um pouco mais à frente vejo o Rui Pinho com outro colega de aventura … “ARRUMEM-SE QUE NÃO TENHO TRAVÕES E QUERO PASSAAAAAR…” … o Rui junta-se a mim para estes 2 ou 3 km finais que são feitos a uns supersónicos 5,30min/km, sempre a correr e na converseta o que é de estranhar, porque ambos os dois nem gostamos de conversar nem nada J
Entramos em Fátima, passamos ao lado do Santuário seguindo as fitas … uns 100m antes da meta tenho direito a uma surpresa … antes das curva final aparece-me a Dora aos saltos … “com que então tinhas que trabalhar??? Sacaninha” J … enorme surpresa que me deixou de coração cheio. Fez os últimos metros comigo e apenas me deixou para cortar a meta, aquela tão almejada meta. O que senti? Não sei descrever … nem me lembro bem para ser sincero … estava lá a Dora, estava lá o Nuno Lima a quem dei um enorme abraço … sobrepôs-se a qualquer sentimento que tivesse tido em relação à conclusão da prova.
Isso veio um pouco mais tarde, quando tive alguns momentos mais a sós.
Medalhinha ao peito e umas fotos para a posteridade!!!





Tempo? É pah … só desliguei o relógio já no hall do hotel onde ia tomar banho. Só no domingo é que fui ver ao certo … 24h40 … um 19º lugar entre 45 – só queria acabar dentro do tempo limite e consegui J
"sim mamã, vou tomar banhinho e vestir um casaco para não constipar, não te preocupes"

Banhinho, jantar e seguir para casa. Dormi quase a viagem toda no carro. Estava estafado de sono … mazelas eram algumas, e doíam pra caraças mas nada de grave. Daqui a uns dias fico fininho J
Tal como referi no primeiro parágrafo deste longo testamento, sinto-me orgulhoso por este feito. Quando comecei a correr foi uma de 3 provas que me apareceram à frente através de revistas/pesquisas na net, que eu achava de loucos ... e quanto admirava eu esses loucos que conseguiam fazer estas distâncias. Agora sou um deles, um desses “loucos” e já não acho assim tão louco … a sério que não … se eu consigo, qualquer um consegue J
Esta lenga-lenga já vai longa … faltam os agradecimentos …
Começo pela organização – perfeitos!!! Os percursos são o que são, são os Caminhos do Tejo oficiais. As marcações nocturnas estavam perfeitas – impossível de nos perdermos. Os abastecimentos do melhor – em todos eles havia de tudo, à escolha do freguês conforme a nossa vontade. Nada faltou. O melhor de tudo e o que me deixou de coração cheio foram as pessoas – a forma como nos trataram conforme já fui descrevendo no relato. Fantásticos em todos os pormenores, do melhor que já tive oportunidade de presenciar. Muito mas muito obrigado ao Mundo da Corrida!!!
Depois a todos vocês, que me incentivaram antes, durante e depois da prova. Eu sou mesmo um sortudo porque foram dezenas de sms, telefonemas, mensagens. E isso é de uma importância extrema para mim numa prova destas. Conseguiria fazer a prova sem vocês? Talvez, mas não seria a mesma coisa!!! Muito obrigado a todos e desculpem se deixei alguém sem resposta.
Aos meus Pernetas … viveu-se em pleno o  “quando corre um corremos todos” … tive mensagens que me deixaram os olhos a suar .. eu sei, sou um menino J
Ao Nuno Lima … tá tudo dito. A corrida deu-me muita coisa, o melhor de tudo foram os amigos. Obrigado por tudo!!! Espero que possamos fazer muitas aventuras juntos!!! Primeiro tens que te por bom J
Á minha mãezinha que se fartou de mandar mensagens e telefonar … algumas pérolas habituais, mas destaco o aconselhar-me a desistir porque estava calor J … adoro-te!!!
Por fim à Dora … longe mas sempre presente, até que cheguei à meta - Adorei a surpresa J 
E pronto … fim deste capitulo … chegaram aqui? Leram tudo? Mereciam uma medalha J J J