… chego aos 30km … 2.06,42, novo
recorde aos 30km tendo feito os últimos 10km em 42,30m ... a média vai em 4,12m/km
... perfeitamente dentro do sonho que é baixar as 3h à Maratona. Até aqui foi
tipo relógio suiҫo ... vejam os parciais de 5 em 5km:
Mas há dois problemas, o ácido lacteo está a fazer-se sentir a grande velocidade nas minhas coxas e as placas dos km estão cada vez mais desfasadas com o que o meu relógio me diz. Na placa dos 30km o meu relógio assinalava mais 300m – 300m é mais de um minuto e se for verdade as 3h estão na queima. Mas vamos por partes, vamos andar com o relógio umas horas para trás.
Levantei-me um pouco antes das 7h ... embora
não tivesse tido um sono totalmente descansado e profundo sentia-me bem. Estava
um pouco ansioso, o que é normal, porque ia tentar algo extraordinário e muito muito
dificil para alguém do meu nivel. Baixar as 3h à Maratona nem nos meus melhores
sonhos, até que há pouco menos de um ano o Hélio Fumo me ter lanҫado o
desafio, dizendo que acreditava que eu era capaz dessa proeza. Era para ter
sido no Porto no Outono passado mas uma lesão trocou-me as voltas e a coisa ficou
adiado para Sevilha. Agora estava a pouco mais de uma hora de entrar nessa
viagem, de tentar o “impossivel”.
Pequeno-almoҫo no quarto com a
Pikinita, cafézinho e siga ... o nosso taxista, aguadeiro, apoio técnico,
amigo, irmão Luis Lobo estava já com o Nuno Lima à nossa espera para nos levar
perto da meta. Eramos 3 na prova ... eu, a Dora e o Nuno. A apoiar por fora além
do Luis, tb o Flávio e a Teresa, a Barbara e o Eduardo.
Com este apoio tudo se torna mais
fácil, a logistica, o guardar a roupa, etc, etc. Embora a organizaҫão fosse de
topo nesses aspectos sempre é melhor ter ali alguém e não nos termos que preocupar
com mais nada que não seja correr ... correr e ir à casa de banho, duas vezes,
só ali na zona de partida 😊 ... nunca vi tantas casas de banho numa prova, mesmo já
em cima do bloco de partidas ir à casinha era em poucos minutos, tal o numero
de casas de banho disponibilizadas. Avenida larga, boxes de partida bem
divididas de fácil acesso, espaҫosas ... esta malta não brinca 😊 ... encontramos
o Pedro, foto da praxe, desejos de boa prova, beijoca na Pikinita e siga para o
aquecimento que hoje é cada um por si ... vemo-nos no final.
Pouco depois estava a entrar na box ... encostei-me à esquerda o mais próximo possivel dos dois balões das 3h, a minha bitola. A táctica era simples e contrária a tudo o que alguma vez fiz ... vou no balão das 3h até ao fim, se nos últimos km me sentir bem, fujo-lhe. Fácil 😉
Aqueles 10min à espera da partida não foram faceis ... o facto de estar ali “sozinho” trouxe-me as emoҫões à flor da pele, estava nervoso, bastante mesmo, o olhito chegou a suar ... não é muito habitual ficar assim. É “apenas” uma corrida caraҫas... ok, é uma Maratona mas já fiz 14 de estrada, não sou um novato nestas andanҫas nem tenho nada a provar ... mas a verdade é que estava nervoso, ao mesmo tempo concentrado e com vontade de ir à luta ...
Foi um alivio quando se deu o tiro de partida e comeҫou a corrida ... o nervosismo vai-se imediatamente ... era como quando jogava à bola ... quando o árbitro apitava para o inicio do jogo, já só importava o jogo ... agora era fazer pela vida nos próximos 42km ..
E fazer pela vida era primeiro entrar
no ritmo e não perder os balões (eram 2) das 3h de vista ... não foi dificil
entrar no ritmo. Aquela box era da malta das 3h-3h15, e mesmo sendo muitos
comeҫou tudo logo a cavalgar metros ... a avenida era larga e ajudou. Km 1 a
4,14m/km ... boa 😊
O que já não foi tão bom foi ver os
meus balões a afastar-se ... então? Pensei que a táctica deles pudesse ser, dar
um esticão para depois estabilizar, mas o facto é que passaram 3km e nada de
abrandar. Fiz o Km 2 a 4,11 e o 3º a 4,09m/km ... e o balão a continuar a
ganhar-me terreno. Além disso já só via um balão, o outro tinha-se soltado e
desparecido no céu. O que faҫo? Se seguir o balão a correr quase 10s/km abaixo do que pretendo
vou-me estourar ... se fico para trás vou ter que gerir “sozinho” ... “e se o
meu relógio estiver a marcar mal?” ... decidi por um intermédio ... fixei-me nuns
ainda confortáveis 4,12m/km ...
Foi por volta do km 6 que ouvi uma voz conhecida um pouco atrás
de mim ... era o Luis Trigo 😊 ... eu a pensar que ele ia um pouco mais à frente mas
vinha de trás ... “Luiiiiiiiissss..... “ .... dois dedos de conversa e a
confirmaҫão que o gajo do balão ia demasiado rápido. O Luis vinha com mais 3 portugueses
... fizemos alguns km juntos, mas achei que eles iam demasiado rápido e decidi
ficar na “minha” ... estou por minha conta.
Aos 9km o primeiro gel ... perto de um
abastecimento ... foi a Maratona com mais abastecimentos que vi ... usei quase
todos ... água e isotónico servido em copos, de ambos os lados da estrada que
evitava em parte aquela confusão habitual que bem conhecemos e é muito
importante porque uma coisa é apanhar copos e beber enquanto fazemos uma prova
a “brincar” sem grandes objectivos de tempo, outra é faze-la no limite .... 1os
10km em 42,05m ... tudo sobre controle ... o km mais rápido tinha sido o 3º a
4,09 e o mais lento o 9º a 4,14m/km ... um relóginho certinho este rapaz 😉
Os 2os 10km viriam a ser muito
parecidos ... mais uma vez entre 4,09 e 4,14 com o parcial a ficar nos 42,07m
.... nesta fase, ali por volta dos 17km vi uma silhueta que me pareceu familiar
parado na berma esquerda a esfregar o gémeo e a esticar a perna ... era mesmo o
Paulo Pereira que quando me viu se juntou a mim... “então Paulinho?” .... “depois
daquele nosso treino na semana passada dei cabo do gémeo e não sei se vai dar,
mas queria muito chegar ao fim” ... “tu vê lá, ainda arranjas aí um problem a
sério” .... mas ele lá me acompanhou nos km seguintes e naquele ritmo para ele
era como se fosse a “passear” 😉. No km 20 viu um médico e parou .... e eu segui viagem
...
Chego à meia-maratona com 1.29,10 ... bem bom e dentro do previsto não fosse o pórtico da meia maratona oficial estar 200m mais à frente ... mesmo assim passo dentro do tempo “limite”. Gel no bucho e sigaaaa ...
Uma das minhas bitolas mentais eram os
25km ... chegar lá sem estar “morto” ... e porquê os 25? Porque foi mais ou menos
aos 25km do Porto que eu senti a marretada mais a sério ... era apenas um termo
de comparaҫão. Cheguei lá em bom estado, embora o cansaҫo já tenha dado sinal
de vida continuava certinho tipo relógio suiҫo e conseguia manter o ritmo que
continuava sem alterar ... 4,12m/km ... entretanto o Paulo Pereira já se tinha
voltado a juntar a mim para mais alguns km ... mas tão depressa chegava como de
seguida lhe dava uma fisgada no gémeo e ele parava ... várias vezes lhe disse
para ele ter cuidado ...
A meta agora eram a mitica distancia
dos 30km ... foi a distancia maior que fiz em treino, e apenas duas vezes. Km
mais rápido a 4,08 e o mais lento a 4,20. Mais um gel no bucho e continuava a
aproveitar todos os abastecimentos que apareciam e que não eram poucos para hidratar.
Algo que nesta maratona foi uma constante foi o ser ultrapassado ... a minha Maratona
mais rapida de sempre e fui mais vezes ultrapassados do que ultrapassei.
… chego aos 30km … 2.06,42, novo recorde aos
30km tendo feito os últimos 10km em 42,30m ... a média vai em 4,12m/km ... perfeitamente
dentro do sonho que é baixar as 3h à Maratona. Até aqui foi tipo relógio suiҫo
...
Mas há dois problemas, o ácido lacteo está a fazer-se sentir cada vez mais e a grande velocidade nas minhas coxas e as placas dos km estão cada vez mais desfasadas com o que o meu relógio me diz. Na placa dos 30km o meu relógio assinalava mais 300m – 300m é mais de um minuto e se for verdade as 3h estão na queima.
No km 31 faҫo o km mais lento até à
altura ... 4,24 ... no seguinte consigo melhorar novamente para 4,14 para no seguinte voltar aos 4,24 ... em 3 km
a minha situaҫão piorou muito ... passo o km 33 já em grande luta para tentar
manter o objectivo das 3h vivo ... houve um abastecimento aqui que me deu uma
valente machadada porque, se já era dificil, beber do copo sem baixar ritmo
estando fresco, cansado o discernimento baixa e entalei-me ... mesmo a tossir e
a largar água por todo o lado consigo continuar a correr ... mas o ritmo baixou
definitivamente ... 4,35 e 4,32 para chegar aos 35km ...
... as pernas já pesavam uma tonelada
cada uma ... como é que em 5 km piorei tanto? É isto a Maratona, raramente faz
prisioneiros .... nem hesitei em redefenir o objectivo ... ainda estava dentro
do objectivo aqui mas achei que se tentasse recuperar o ritmo estava sujeito a deixar
fugir até um recorde pessoal. No Porto tinha sido assim ... cheguei a um ponto
onde tive que caminhar várias vezes e deitei tudo a perder. Desta vez não iria
fazer o mesmo erro ... umas contas de cabeҫa e 3h03 eram possiveis ...
Fiz 500m bastante lentos ... perto dos
5m/km ... nessa altura o Paulo Pereira apercebeu-se que eu não ia conseguir as
3h e foi à vida dele e ainda bem. Não o iria ver mais, iria acabar em 3h02 ...
os restantes 500m acelarei para ritmos na casa dos 4,20 ... resultado ... km 36
a 4,44 ... nos próximos 2 vou fazer o mesmo “jogo” ... um tipo de fartlek para
me distrair ... 4,42 e 4,40 aproveitando uma boleia de um casal ... de km para
km as minhas pernas pesam mais, cada passo agora é de dor ... estou com os músculos completamente massacrados ...
No km 38 vou abaixo mentalmente ... a
placa surge apenas quando o meu relógio marca 38,5km ... mais 500m, mais 2min no
minimo ... baixar as 3h05 passa a ser o objectivo ... como é que eu fiz tantos
metros a mais? Tentei sempre manter-me perto da linha verde, a linha ideal que
a organizaҫão tinha pintado no chão. Com o discernimento a baixar saí várias
vezes do ideal, mas 500m é demasiado ...ainda tive a esperanҫa que nas últimas
placas a coisa compensasse mas não viria a ser assim.
Os próximos km vão ser de um
sofrimento atroz, como não me lembro de ter sentido ... sentia que corria de
lado, as pernas não obedeciam totalmente, o meu cerébro dizia para eu caminhar
e eu, teimoso, lutei bravamente para não ceder à tentaҫão ... era tão fácil
baixar a guarda. Já se voltava a andar no centro da cidade, cheia de público e
já cheirava à meta ... mas 3 ou 4 km podem demorar uma eternidade. Como já
referi muitas vezes, ninguém que me lixe ... os km não tem todos a mesma
distancia ... como habitualmente já se vê muitos companheiros nas bermas
agarrados às pernas, desesperados com caibras, outros já só caminham e nem com
o público entusiasta a gritar por eles conseguem corrinhar ... estão “mortos”
... a sensaҫão que levo é que vou super lento ... km 39 a 4,54, km 40 a 4,48,
km 41 a 5,01 e km 42 a 4,58 ... os 4 km mais lentos de toda a maratona ...
passo os 42,2km no meu relógio no minuto 3.03 mas os pórticos da meta nem vê-los,
e são esses que contam...
.... consigo ir buscar as últimas forҫas para acelerar já com a meta à vista ... ainda são umas centenas largas de metros ... concentro-me no relógio ... 3h06 e os segundos a contar ... “tenho que conseguir chegar no minuto 6”
... foda-se ... consegui ... sei que desliguei o relógio ao passar a linha de meta ... juro que me esqueci completamente de olhar para o tempo que marquei ... fiquei ali uns valentes segundos a meio metro da linha de chegada agarrado às pernas e a tentar conter as emoҫões ... ca puta de prova fiz ... que sofrimento estes últimos km ... hoje sim, hoje fui bravo, sinto que dei tudo o que tinha e como diz o ditado “quem dá tudo o que tem a mais não é obrigado” ... uma enfermeira vem ter comigo para saber se me sinto bem e como digo que sim pede para eu sair daquela zona ... a avenida para ir buscar a medalha é a mesma onde há pouco mais de 3 horas saimos das boxes de partida ... é longa ... eu demoro uma eternidade ... vejo um espanhol sentado, sozinho, com um sorriso de orelha a orelha ... não sei quem era, não me lembro de o ver durante a prova ... mas vou ter com ele, high five, riso e choro, trocamos palavras que não me lembro ... bravos ... continuo o meu caminho ... tanta gente e estou “sozinho”, perdido nos meus pensamentos ... acordo do transe a “soluҫar” como um menino ... encosto-me às grades a disfarҫar ... não devia sentir vergonha, os homens tb tem direito a chorar ... respiro fundo e sigo ... uma simpática senhora coloca-me a medalha ao pescoҫo e dá-me os parabéns ...
... hoje são merecidos, hoje dei o litro, hoje tirei quase 8 minutos ao meu recorde pessoal na Maratona ...
Toca o telefone ... é o Luis a saber
onde estou. Pouco depois lá vem a equipa de apoio toda ... gritaram por mim na
zona da meta e eu nem os vi nem ouvi ... só vi a meta ... desculpem lá mas
sabem como é 😉 ... pouco depois eles voltam onde estavam e eu volto a
entrar para a meta para esperar pela Pikinita e pelo Lima.
Que espectáculo aquela linha de meta
... o ambiente, os speakers, a música escolhida ... os atletas a chegar em
catadupa à meta, sorrisos rasgados, gritos de alegria, abraҫos, choro ... tb há
desmaios, vómitos ... tirei fotos a quem me pediu, dei os parabéns a muitos, ri
e chorei com outros ... uma pessoa consegue sentir o que os outros estão a sentir
... estou atento à linha de chegada ... vejo uma camisola do CAL, é o Lima ...
parece um menino grande a cortar a meta ... lesionou-se há duas semanas, ainda
no dia anterior só dizia que queria acabar e ali estava ele a acabar em 3h51
... a foto diz tudo ...
“viste a Dora?” ... “passei por ela aos 27, ia a caminhar, estava toda lixada” ... o Nuno seguiu viagem e eu fiquei ali ... confesso que preocupado ... continuei a abstrair-me com a festa da chegada e pouco tempo depois chegava uma Pikinita de sorriso rasgado aos saltinhos de contente ... 4h07 ... fantástico para quem esteve parada durante meses, apenas retomou a corrida no inicio do ano e que esteve bem doente uma semana antes. Uma guerreira 😊
Agora sim, a Maratona de Sevilha estava completa 😊 ... refiro-me à corrida, porque ainda há alguma coisa por contar ... mas isso fica para outro dia, que isto já vai longo 😉