Etapa 6 - Gralheira-Castro Daire (29,7km, 495D+, 980D-)
Mais
uma distância longa (a etapa mais longa de todas) mas com pouco desnível, à
partida muito corrivel.
Retemperados,
agora a 3, saímos pouco passava das 5h, ainda noite escura.... mas pouco tempo
depois tivemos direito a mais um amanhecer brutal que encheu o que faltava das nossas
baterias.
Foi
mesmo uma etapa linda, em que estivemos sempre bem dispostos e em que corremos
bastante. Até demais... a 2km de Castro Daire dou um bico num toco e mando um
tralho que nem é bom... tive sorte, apenas uns riscos na pintura. O árbitro nem
amarelo mostrou 😉.
Tínhamos
o Domingos à nossa espera numa padaria no centro de Castro Daire. O Luis tinha
seguido viagem sozinho. Descansamos um bom tempo, café, coca cola, torrada,
doce, água... era preciso carregar energias que a próxima etapa era das duras.
Era
preciso subir ao S. Macário...
Etapa 7 - Castro Daire - S. Macário (20,3km, 1020D+, 625D-)
Estava
cá uma tosta … mas continuava tudo bem disposto e os km saiam a bom ritmo. A
primeira metade é maioritariamente a descer até ao rio para depois ser sempre a
subir até ao alto de S. Macário.
A
partir daqui iríamos ter o apoio da Dora. Estava combinado o encontro no fim da
etapa lá bem em cima. Com a dormida na Gralheira estávamos um pouco atrasados
em relação ao plano que era chegar ao ponto de encontro inicialmente previsto
em Paraduça pela hora de jantar. Tinha que ser uns bons km antes.
O
calor foi o maior obstáculo nesta etapa embora se tenha suportado bem. As
paisagens a subir para o alto de S. Macário foram para mim as imagens mais
deslumbrantes de toda a Gr60... brutal!!!
Uma
chamada para a Dora porque iriamos chegar mais cedo que o previsto… ela ainda
demora uns 40 min. Sem stress, vamos tentar dormir...
Não
consegui, mas fechei os olhos e descansei. Sou "acordado" por uma
chamada da Dora... está num S. Macário errado, tb no distrito de Viseu mas
ainda a quase 1 hora de onde nós estamos. Mudança de planos rápido.... vamos
seguir e fazer a etapa até à Fraguinha... encontramo.nos lá. Sigaaaa.
Etapa 8 - S. Macário - Fraguinha (15,5km, 390D-, 480D+)
Nesta
etapa a coisa vai sofrer um forte revês, o cenário vai mudar.
Continua
tudo bem disposto, os km continuam a fluir bem....corre-se bastante.... só
tenho que gerir a água que é pouca. Já não temos um ponto de água há muitas
horas e com o desencontro com a Dora a coisa ficou rés vês.
Nesta
etapa registam-se dois marcos importantes … o Domingos e o Lobo atingem pela
primeira vez a distância das 100 milhas (160km). Valentes…
Outro
problema é que o tempo está a mudar... há nuvens e algum vento. As previsões
apontavam para alguns chuviscos mas o tempo que tinha estado durante o dia não
indicava nada do que iria acontecer.
Já
perto da Fraguinha entramos num manto de nevoeiro, pouco depois sentimos as
primeiras pingas e não tardou chovia mesmo... aquela chuva "molha
tolos", estão a ver?
Merda...
a Fraguinha não tem cafés.... o bar do Parque de Campismo está fechado.... ali
está a Dora... mas não há sitio onde para nos abrigarmos... ficar à chuva a
abastecer é a morte do artista.
O
Domingos lembra-se que um pouco mais abaixo existe um coreto onde fazem um abastecimento
no UTSF. Vamos para lá com a Dora. Que belo abastecimento... Sandes, Aletria
que a minha mãe mandou (ela bem reclama destas minhas maluquices mas apoia em
tudo), Fruta, Cerveja, Cola, água, batatas fritas, bolachas.... não falta nada…
bem quase nada, falta uma sopa e um café.
A
Dora tb tinha sacos com muda de roupa. Mas não faz sentido mudar pq nos vamos
molhar já outra vez – chove muito. Como a Dora decidiu nos acompanhar toda a
noite, a muda de roupa fica para quando o tempo deixar. Estou com frio....
continua a chover. E desejamos uma sopa e um café. Uma rápida pesquisa indica
que não existe nenhum café nas próximas localidades, apenas um restaurante, mas
que está fechado. A Dora liga na mesma, explica a situação, que apenas umas
sopas e um café seriam uma ajuda brutal mas nada feito.
Vamos
ter que andar toda a noite, quase 40 km até Sever do Vouga... será muito duro
mas não temos outra hipótese. Tempo de chuva e o frio da noite... um cocktail
perigoso... temos que nos manter em movimento, e sem café.
Toca
a vestir o impermeável e siga para Manhouce que se faz tarde.
Etapa 9 – Fraguinha – Manhouce (10km, 165D+, 470D-)
Etapa
curta e à partida fácil. Os km continuam a fluir mas vou preocupado … não
estava a contar fazer a noite toda, a chuva mantêm-se e o impermeável faz-me
sentir calor. Mas não o posso tirar, porque ficarei encharcado e com frio. Ora
foda-se.
Um
café … o meu reino por um café!!! Os meus compinchas tem o mesmo desejo.
Entramos numa aldeia … já anoiteceu … não se vê ninguém na rua, as casas
escuras sem movimento nenhum. Não me admira que não haja cafés … para quem?
De
repente um casal idoso numa varanda … “ó senhores, por acaso não nos conseguem
arranjar um cafezinho?” …. Resposta negativa,
mas o senhor diz que em Manhouce há um café … mentiroso do caralho.
Pouco
depois liga a Dora … “encontrei um café em Manhouce, não tem sopa mas tem
bebidas, gelados e café” …. Conseguem imaginar a alegria? Não só pelo café, mas
pela possibilidade de um pequeno descanso num lugar abrigado.
Recebo
uma chamada do Leandro a perguntar como é que as coisas estavam a correr e a
dizer que ia ter connosco a Paraduça. Trás café moço!!!
Não
tardamos a chegar a Manhouce e lá estava a Dora e o café aberto 😊
O
Sérgio, filho do dono deste café conhecia o meu vizinho Porfirio, que fez a
Gr60 sozinho há umas poucas semanas atrás. Pelo vistos costuma ir ali beber uma
bejecas. Ajudou a quebrar o gelo.
2
cafés, água com gás, carregar mais um pouco os telemóveis e relógios e tb as
nossas baterias. Soube muito bem este bocadinho.
Lá
fora entretanto a chuva tinha parado … vamos até Paraduça.
Etapa 10 – Manhouce – Paraduça (13,6km, 435D+, 700 D-)
Ainda
fui ao carro da Dora encher os Flasks que faltavam … beijoca e siga. A Dora
andar por ali sozinha, por aquelas estradas sinuosas no meio do nada àquelas
horas, dava-me um misto de sentimentos. Por um lado, preocupava-me por outro tranquilizava-me
saber que ela andava por ali perto caso precisássemos de alguma coisa.
Foi uma etapa relativamente tranquila … noite escura, muito alcatrão … põe e tira impermeável conforme começava a chuviscar ou parava de chover.
E
chegamos a Paraduça onde já estava a Dora e com o Leandro, a Flávia e o Pai
dele a chegar ao mesmo tempo.
Tinha
parado de chover … o Leandro apareceu equipado a dizer que ia seguir conosco.
Tinha dormido 11 horas seguidas e sentia-se em condições. Oupas … vamos a isso.
Mas
antes descansamos um pouco, bebemos café … sabíamos que a próxima etapa seria
muito complicada. O dia ia longo, o cansaço era muito, os números para esta
etapa metiam respeito. Mas tinha que ser … próxima paragem Sever do Vouga …
Etapa 11 – Paraduça – Sever do Vouga (25,8km, 1100D+, 1200D-)
Para
começar bem enganamo-nos no percurso e tivemos que voltar ao ponto de partida.
O Lima afirmava convictamente que tinha visto as marcações quando foi largar
uns javalis ao monte … se ele viu, quem somos nós para duvidar 😉
Seguimos
na direcção que ele disse mesmo que o track estivesse a dizer algo ligeiramente
diferente. Acontece que as marcas que ele viu eram amarelas e vermelhas (de uma
pequena rota) e não as vermelhas e brancas (da grande rota) … e agora … voltar
para trás? Nada disso … vamos pela estrada que mais à frente havemos de entrar
no percurso certo …
Mas não mais conseguimos voltar ao percurso original … tentamos duas vezes e esbarramos sempre com barreiras … uma Igreja, campos sem passagem que se visse … era noite escura … solução … vamos seguir pela estrada.
Hoje
tenho quase a certeza que este engano nos salvou a aventura … pelo que se
passou a seguir, acho que pelo percurso original iriamos desistir, ou iria
haver mortos 😉 … com este engano “poupamos” uns 4km e
muitas “chatices”.
Foi
nesta etapa que entramos todos, sem excepção (talvez o Leandro menos por estar
fresco), no poço mais fundo de toda esta viagem. Eu tenho perfeita noção que adormeci
várias vezes em pé enquanto avançava … íamos todos com sono, cansados, esmurrados
e sovados pelos muitos km deste dia … tudo em silencio, cada um nos seus pensamentos
…
…
eu olhava para o relógio de minuto a minuto e já não conseguia raciocinar
quantos km faltavam para acabar esta merda desta etapa. Perguntava
constantemente ao Lobo e as respostas dele não me agradavam nadinha … a merda
dos km não andava por nada … “só me podes estar a gozar”
Estava
instalado o modo “gru maldisposto” em todos os elementos da equipa, um ambiente
de cortar à faca … o Lima ia num sofrimento atroz … teve que parar várias vezes,
os pés dele metiam dó … e ainda faltava tanto. Num momento a sós com ele, ele
diz-me “vou desistir em Sever do Vouga” … só lhe disse “tu é que sabes” …. Não eram
apenas os pés, as canelas dele estavam inchadas e doiam-lhe … para o Lima colocar
a hipotese de desistir é porque estava mesmo a “morrer” … estamos a falar do
homem que nos Caminhos de Tejo, aos 115km com uma lesão no joelho que o impedia
de dobrar a perna, queria continuar a toda a força … não tive coragem de lhe
dizer para continuar.
Tinhamos
a firme ideia de ir aos bombeiros de Sever do Vouga e pedir que nos deixassem
dormir lá num cantinho qualquer, num solo duro mas resguardados do frio da noite.
Era essa ideia a que eu me agarrava … chegar aos bombeiros para dormir.
Demorou
uma eternidade … ainda por cima os bombeiros não ficavam à entrada de Sever do
Vouga por onde nós vínhamos, ficavam do outro lado. Depois enganamo-nos no percurso
e discutimos por que lado era mais perto … esse engano custou uns bons 500 ou
600m … um problema quando está fodido da cabeça.
Descidas
ingremes corridas a grande velocidade com o Lobo … o resto da malta vinha mais
devagar … a duvida “esperar ou eles que se fodam e que venham lá ter” … agora
dá para rir, mas foi mesmo assim.
O
que vale é que para chegar ao centro de Sever do Vouga a coisa subiu a sério e já
não dava para correr.
Passamos
no centro, vi o carro da Dora lá ao fundo … a vontade era ir ter co ela, mas
deve estar a dormir … seriam 6h00 da manhã e já estava a amanhecer. Sigaa … ali
estava ele, o quartel dos bombeiros… que rico soninho me espera …
“não
temos lugar para vocês, teriam que ter feito o pedido antecipadamente” …
conseguem imaginar a nossa desilusão? Que se foda … vamos dormir onde calhar …
do outro lado da rua há umas galerias comerciais … perfeito … encontramos às
8h30 para seguir viagem.
Deitei-me
ao melhor estilo de sem abrigo no primeiro canto que encontrei … os meus compinchas
fizeram o mesmo. Acho que adormeci logo, as acordei 5 minutos depois com frio
nas costas… estava deitado sobre azulejos … coloquei o impermeável por baixo e
voltei a adormecer … uns 5 ou 10 minutos depois acordo a tremer de tal forma
que não me conseguia controlar … aí tive receio que entresse em hipotermia ou
assim… a malta parecia estar a dormir … peguei nas minhas coisas e fui ter com
a Dora para mudar de roupa …
Quando
cheguei ela estava fora do carro a mexer na mala … dormiu um pouco no carro,
mas com o nascer do dia acordou, não estava confortável … não foi fácil para
ela tb. Mudei de roupa, vesti uma Sweat quentinha e enfiei-me no carro … estava
um pouco mais confortável e passei pelas brasas … ainda mandei uma mensagem ao
pessoal indicando uma padaria ali para o pequeno-almoço …
Acordei
uns 15 ou 20minutos depois novamente a tremer como varas verdes … tinha uma mensagem
do pessoal a dizer que estavam na padaria … ao sair do carro doía-me tudo,
virilhas, pés, pernas, sono e não conseguia parar de tremer .. estava completamente destruído … entrei na padaria,
dirigi-me ao pessoal e disse “eu fico por aqui, desisto….”
NOTA: uma prova de que estes últimos km foram terriveis é o facto de não ter tirado uma única foto ... não havia vontade, a vontade que havia era de matar alguém ... (continua amanhã, em principio)
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