quarta-feira

GR60 - Aventura pelas Montanhas Mágicas - dia 2

 

brutal ...
 

Etapa 6 - Gralheira-Castro Daire (29,7km, 495D+, 980D-)

Mais uma distância longa (a etapa mais longa de todas) mas com pouco desnível, à partida muito corrivel.

Retemperados, agora a 3, saímos pouco passava das 5h, ainda noite escura.... mas pouco tempo depois tivemos direito a mais um amanhecer brutal que encheu o que faltava das nossas baterias.







Esta etapa é absolutamente linda a nível de cenários.... tomamos o pequeno-almoço junto à uma fonte no meio do nada... para ser perfeito só faltava o café... bem que o procuramos nas aldeias que íamos passando mas sem sucesso.








Foi mesmo uma etapa linda, em que estivemos sempre bem dispostos e em que corremos bastante. Até demais... a 2km de Castro Daire dou um bico num toco e mando um tralho que nem é bom... tive sorte, apenas uns riscos na pintura. O árbitro nem amarelo mostrou 😉.

Tínhamos o Domingos à nossa espera numa padaria no centro de Castro Daire. O Luis tinha seguido viagem sozinho. Descansamos um bom tempo, café, coca cola, torrada, doce, água... era preciso carregar energias que a próxima etapa era das duras.


que seca a esperar por nós ...

Era preciso subir ao S. Macário...

 

Etapa 7 - Castro Daire - S. Macário (20,3km, 1020D+, 625D-)

Estava cá uma tosta … mas continuava tudo bem disposto e os km saiam a bom ritmo. A primeira metade é maioritariamente a descer até ao rio para depois ser sempre a subir até ao alto de S. Macário.







é ali pra cima que vamos...

150km feitos


parecem 3 meretrizes...

A partir daqui iríamos ter o apoio da Dora. Estava combinado o encontro no fim da etapa lá bem em cima. Com a dormida na Gralheira estávamos um pouco atrasados em relação ao plano que era chegar ao ponto de encontro inicialmente previsto em Paraduça pela hora de jantar. Tinha que ser uns bons km antes.

O calor foi o maior obstáculo nesta etapa embora se tenha suportado bem. As paisagens a subir para o alto de S. Macário foram para mim as imagens mais deslumbrantes de toda a Gr60... brutal!!!




Uma chamada para a Dora porque iriamos chegar mais cedo que o previsto… ela ainda demora uns 40 min. Sem stress, vamos tentar dormir...


Não consegui, mas fechei os olhos e descansei. Sou "acordado" por uma chamada da Dora... está num S. Macário errado, tb no distrito de Viseu mas ainda a quase 1 hora de onde nós estamos. Mudança de planos rápido.... vamos seguir e fazer a etapa até à Fraguinha... encontramo.nos lá. Sigaaaa.

 

Etapa 8 - S. Macário - Fraguinha (15,5km, 390D-, 480D+)

Nesta etapa a coisa vai sofrer um forte revês, o cenário vai mudar.

Continua tudo bem disposto, os km continuam a fluir bem....corre-se bastante.... só tenho que gerir a água que é pouca. Já não temos um ponto de água há muitas horas e com o desencontro com a Dora a coisa ficou rés vês.

Nesta etapa registam-se dois marcos importantes … o Domingos e o Lobo atingem pela primeira vez a distância das 100 milhas (160km). Valentes…

valente...

maquinão

Outro problema é que o tempo está a mudar... há nuvens e algum vento. As previsões apontavam para alguns chuviscos mas o tempo que tinha estado durante o dia não indicava nada do que iria acontecer.

topem o céu ...


Já perto da Fraguinha entramos num manto de nevoeiro, pouco depois sentimos as primeiras pingas e não tardou chovia mesmo... aquela chuva "molha tolos", estão a ver?


Merda... a Fraguinha não tem cafés.... o bar do Parque de Campismo está fechado.... ali está a Dora... mas não há sitio onde para nos abrigarmos... ficar à chuva a abastecer é a morte do artista.

O Domingos lembra-se que um pouco mais abaixo existe um coreto onde fazem um abastecimento no UTSF. Vamos para lá com a Dora. Que belo abastecimento... Sandes, Aletria que a minha mãe mandou (ela bem reclama destas minhas maluquices mas apoia em tudo), Fruta, Cerveja, Cola, água, batatas fritas, bolachas.... não falta nada… bem quase nada, falta uma sopa e um café.


qui passa moço???

A Dora tb tinha sacos com muda de roupa. Mas não faz sentido mudar pq nos vamos molhar já outra vez – chove muito. Como a Dora decidiu nos acompanhar toda a noite, a muda de roupa fica para quando o tempo deixar. Estou com frio.... continua a chover. E desejamos uma sopa e um café. Uma rápida pesquisa indica que não existe nenhum café nas próximas localidades, apenas um restaurante, mas que está fechado. A Dora liga na mesma, explica a situação, que apenas umas sopas e um café seriam uma ajuda brutal mas nada feito.

Vamos ter que andar toda a noite, quase 40 km até Sever do Vouga... será muito duro mas não temos outra hipótese. Tempo de chuva e o frio da noite... um cocktail perigoso... temos que nos manter em movimento, e sem café.

Toca a vestir o impermeável e siga para Manhouce que se faz tarde.

 

Etapa 9 – Fraguinha – Manhouce (10km, 165D+, 470D-)

Etapa curta e à partida fácil. Os km continuam a fluir mas vou preocupado … não estava a contar fazer a noite toda, a chuva mantêm-se e o impermeável faz-me sentir calor. Mas não o posso tirar, porque ficarei encharcado e com frio. Ora foda-se.


Um café … o meu reino por um café!!! Os meus compinchas tem o mesmo desejo. Entramos numa aldeia … já anoiteceu … não se vê ninguém na rua, as casas escuras sem movimento nenhum. Não me admira que não haja cafés … para quem?

De repente um casal idoso numa varanda … “ó senhores, por acaso não nos conseguem arranjar um cafezinho?”  …. Resposta negativa, mas o senhor diz que em Manhouce há um café … mentiroso do caralho.

Pouco depois liga a Dora … “encontrei um café em Manhouce, não tem sopa mas tem bebidas, gelados e café” …. Conseguem imaginar a alegria? Não só pelo café, mas pela possibilidade de um pequeno descanso num lugar abrigado.

Recebo uma chamada do Leandro a perguntar como é que as coisas estavam a correr e a dizer que ia ter connosco a Paraduça. Trás café moço!!!

Não tardamos a chegar a Manhouce e lá estava a Dora e o café aberto 😊

o nosso "anjo da guarda"


O Sérgio, filho do dono deste café conhecia o meu vizinho Porfirio, que fez a Gr60 sozinho há umas poucas semanas atrás. Pelo vistos costuma ir ali beber uma bejecas. Ajudou a quebrar o gelo.

o Sérgio ...

2 cafés, água com gás, carregar mais um pouco os telemóveis e relógios e tb as nossas baterias. Soube muito bem este bocadinho.

Lá fora entretanto a chuva tinha parado … vamos até Paraduça.


Etapa 10 – Manhouce – Paraduça (13,6km, 435D+, 700 D-)

Ainda fui ao carro da Dora encher os Flasks que faltavam … beijoca e siga. A Dora andar por ali sozinha, por aquelas estradas sinuosas no meio do nada àquelas horas, dava-me um misto de sentimentos. Por um lado, preocupava-me por outro tranquilizava-me saber que ela andava por ali perto caso precisássemos de alguma coisa.

Foi uma etapa relativamente tranquila … noite escura, muito alcatrão … põe e tira impermeável conforme começava a chuviscar ou parava de chover.

estavam a começar os problemas com os pés do Lima




E chegamos a Paraduça onde já estava a Dora e com o Leandro, a Flávia e o Pai dele a chegar ao mesmo tempo.

Tinha parado de chover … o Leandro apareceu equipado a dizer que ia seguir conosco. Tinha dormido 11 horas seguidas e sentia-se em condições. Oupas … vamos a isso.

apoio importantissimo ... 

Mas antes descansamos um pouco, bebemos café … sabíamos que a próxima etapa seria muito complicada. O dia ia longo, o cansaço era muito, os números para esta etapa metiam respeito. Mas tinha que ser … próxima paragem Sever do Vouga …




prontinhos para seguir viagem
 

Etapa 11 – Paraduça – Sever do Vouga (25,8km, 1100D+, 1200D-)

Para começar bem enganamo-nos no percurso e tivemos que voltar ao ponto de partida. O Lima afirmava convictamente que tinha visto as marcações quando foi largar uns javalis ao monte … se ele viu, quem somos nós para duvidar 😉

Seguimos na direcção que ele disse mesmo que o track estivesse a dizer algo ligeiramente diferente. Acontece que as marcas que ele viu eram amarelas e vermelhas (de uma pequena rota) e não as vermelhas e brancas (da grande rota) … e agora … voltar para trás? Nada disso … vamos pela estrada que mais à frente havemos de entrar no percurso certo …


Mas não mais conseguimos voltar ao percurso original … tentamos duas vezes e esbarramos sempre com barreiras … uma Igreja, campos sem passagem que se visse … era noite escura … solução … vamos seguir pela estrada.

uma desgraça ...


Hoje tenho quase a certeza que este engano nos salvou a aventura … pelo que se passou a seguir, acho que pelo percurso original iriamos desistir, ou iria haver mortos 😉 … com este engano “poupamos” uns 4km e muitas “chatices”.

Foi nesta etapa que entramos todos, sem excepção (talvez o Leandro menos por estar fresco), no poço mais fundo de toda esta viagem. Eu tenho perfeita noção que adormeci várias vezes em pé enquanto avançava … íamos todos com sono, cansados, esmurrados e sovados pelos muitos km deste dia … tudo em silencio, cada um nos seus pensamentos …

… eu olhava para o relógio de minuto a minuto e já não conseguia raciocinar quantos km faltavam para acabar esta merda desta etapa. Perguntava constantemente ao Lobo e as respostas dele não me agradavam nadinha … a merda dos km não andava por nada … “só me podes estar a gozar”

Estava instalado o modo “gru maldisposto” em todos os elementos da equipa, um ambiente de cortar à faca … o Lima ia num sofrimento atroz … teve que parar várias vezes, os pés dele metiam dó … e ainda faltava tanto. Num momento a sós com ele, ele diz-me “vou desistir em Sever do Vouga” … só lhe disse “tu é que sabes” …. Não eram apenas os pés, as canelas dele estavam inchadas e doiam-lhe … para o Lima colocar a hipotese de desistir é porque estava mesmo a “morrer” … estamos a falar do homem que nos Caminhos de Tejo, aos 115km com uma lesão no joelho que o impedia de dobrar a perna, queria continuar a toda a força … não tive coragem de lhe dizer para continuar.

Tinhamos a firme ideia de ir aos bombeiros de Sever do Vouga e pedir que nos deixassem dormir lá num cantinho qualquer, num solo duro mas resguardados do frio da noite. Era essa ideia a que eu me agarrava … chegar aos bombeiros para dormir.

Demorou uma eternidade … ainda por cima os bombeiros não ficavam à entrada de Sever do Vouga por onde nós vínhamos, ficavam do outro lado. Depois enganamo-nos no percurso e discutimos por que lado era mais perto … esse engano custou uns bons 500 ou 600m … um problema quando está fodido da cabeça.

Descidas ingremes corridas a grande velocidade com o Lobo … o resto da malta vinha mais devagar … a duvida “esperar ou eles que se fodam e que venham lá ter” … agora dá para rir, mas foi mesmo assim.

O que vale é que para chegar ao centro de Sever do Vouga a coisa subiu a sério e já não dava para correr.

Passamos no centro, vi o carro da Dora lá ao fundo … a vontade era ir ter co ela, mas deve estar a dormir … seriam 6h00 da manhã e já estava a amanhecer. Sigaa … ali estava ele, o quartel dos bombeiros… que rico soninho me espera …

“não temos lugar para vocês, teriam que ter feito o pedido antecipadamente” … conseguem imaginar a nossa desilusão? Que se foda … vamos dormir onde calhar … do outro lado da rua há umas galerias comerciais … perfeito … encontramos às 8h30 para seguir viagem.

Deitei-me ao melhor estilo de sem abrigo no primeiro canto que encontrei … os meus compinchas fizeram o mesmo. Acho que adormeci logo, as acordei 5 minutos depois com frio nas costas… estava deitado sobre azulejos … coloquei o impermeável por baixo e voltei a adormecer … uns 5 ou 10 minutos depois acordo a tremer de tal forma que não me conseguia controlar … aí tive receio que entresse em hipotermia ou assim… a malta parecia estar a dormir … peguei nas minhas coisas e fui ter com a Dora para mudar de roupa …

Quando cheguei ela estava fora do carro a mexer na mala … dormiu um pouco no carro, mas com o nascer do dia acordou, não estava confortável … não foi fácil para ela tb. Mudei de roupa, vesti uma Sweat quentinha e enfiei-me no carro … estava um pouco mais confortável e passei pelas brasas … ainda mandei uma mensagem ao pessoal indicando uma padaria ali para o pequeno-almoço …

Acordei uns 15 ou 20minutos depois novamente a tremer como varas verdes … tinha uma mensagem do pessoal a dizer que estavam na padaria … ao sair do carro doía-me tudo, virilhas, pés, pernas, sono e não conseguia parar de tremer .. estava completamente destruído … entrei na padaria, dirigi-me ao pessoal e disse “eu fico por aqui, desisto….”

NOTA: uma prova de que estes últimos km foram terriveis é o facto de não ter tirado uma única foto ... não havia vontade, a vontade que havia era de matar alguém ... (continua amanhã, em principio)

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