Que
viagem extraordinária é fazer a Gr60... Já passou mais de uma semana desde que
a concluímos é já tenho saudades. Chegou a hora de tentar registar o que
vivi... arrisco dizer que os meus companheiros de viagem terão vivido o mesmo,
talvez com um ou outro pormenor diferente... vou dividir isto em 3 artigos, um
por cada dia de viagem... coloquem os cintos, vamos descolar...
O
arranque da aventura estava previsto para as 00h01 de 5a feira, dia 13. Tinha
previsto meter um dia de férias no dia 12, para preparar toda a logística e
tentar descansar durante o dia. Não foi possível... ando com muito trabalho...
decidi primeiro sair a seguir ao almoço e depois às 15h com o intuito de ainda
fazer uma sesta. Estava eu mesmo a chegar a casa e toca o tlm.... tive que
voltar ao trabalho para tratar de um assunto do meu interesse... Quando
finalmente cheguei a casa ainda consegui fechar os olhos durante meia horita...
tudo conta 😉
Ás
21h apanhei o Lobo em Espinho, jantamos uma pratada de massa em casa e seguimos
para Arouca onde nos encontramos com o resto da malta para um último café.
Ambiente descontraído, mas tb com aquela ansiedade típica de inicio de “prova” a
pairar no ar.
Ainda
antes de arrancar a primeira desistência... o Bruno, que já tinha decidido
tentar fazer apenas o primeiro dia, nem arrancou... o Afonso, o mais novo dele
estava com uma gastro, era hora de apoiar em casa...
Equipar,
últimas fotos da praxe, beijoca na Dora e arrancamos com uns 15min de atraso...
sem problema, temos tempo.
Etapa 1 - Arouca - Santo Adrião (14,8km, 725D+, 775D-)
A
primeira etapa são apenas 15km mas com desnível significativo. Começa logo a
subir a sério à saída de Arouca.... está noite cerrada, ninguém na rua... Os
caminhos são iluminados pelas luzes fortes dos nossos frontais de baterias
carregadas.... o tilintar das pontas metálicas dos bastões são abafados pela
nossa converseta animada. Afinal, tal como os frontais, tb nós estamos de
baterias carregadas.
Vamos subir à Senhora da Mó o que me trouxe recordações do trail com o mesmo nome que ali se realizava há uns anitos quando estas corridas ainda não estavam na moda e se chamavam corridas de montanha. Foram 2 as minhas participações nestacorrida, curta e muito dura.
O
ritmo que imprimimos era cuidadoso mas vivo. A subir caminhamos e em plano e a
descer corríamos tranquilamente. Era a fase de tentar adaptar uns aos outros.
Eu sempre disse que o mais difícil desta aventura era gente de níveis tão
diferentes encontrarem um ponto de equilíbrio. Havia o acordo de "amigo
não empata amigo" para que a coisa pudesse correr bem a todos.
Até
ao alto da Capela de Santo Adrião fomos sempre juntos... primeira de 14 etapas
concluída. Siga para Castelo de Paiva.
Etapa 2 - Santo Adrião - Castelo de Paiva (24,6km,
690D+, 1095D-)
A
primeira metade desta etapa foi muito idêntica à anterior. Continuava noite
cerrada, continuávamos a intercalar um percurso entre trilhos, estradões em
terra batida, a passar por pequenas aldeias onde provocávamos sempre um
festival de cães a ladrar.
O
Luís e o Domingos tinham avançado num ritmo mais alto, eu, o Lobo, o Lima e o
Leandro mantivemos o ritmo com que vínhamos. Há que gerir desde o início.
A
ideia de arrancar à meia-noite foi por causa do muito calor que se esperava
para meados de Julho. A ideia era aproveitar a noite fresca para avançar o
máximo possível, gerindo o dia conforme o calor. Esta decisão acarretava ter
que fazer 3 noites completas...
Nesta etapa tive um problema com o frontal... não devia estar completamente carregado e como ia na potência máxima durou apenas 3h, baixando para uma luz mínima durante o resto da noite. Isto obrigou-me a uma concentração maior e a aproveitar a luz dos meus compinchas.
As
minhas pernas já sentiam os km... nada que me preocupasse... já tenho alguma
experiência nestas andanças e sei que é normal.
A poucos km de Castelo de Paiva nasceu o dia.... é sempre maravilhoso, é sempre um momento especial... finalmente conseguíamos ver por onde andávamos.
Até
aqui a Gr60 esteve impecavelmente marcada e limpa. O track no relógio ia ligado,
mas não foi preciso. Mas mesmo à entrada de Castelo de Paiva demos de caras com
o primeiro trilho fechado, com vegetação densa que incluía silvas e urtigas
bravas... ainda tentamos abrir caminho à bastonada mas decidimos voltar para
trás e fazer parte por estrada.... foi um desvio de 1 ou 2km para voltar ao
percurso inicial.
Chegamos
a Paiva por volta das 7h... fomos até à uma padaria na praça central para o
merecido descanso e tomar o pequeno almoço, e encontramos o Luís e o Domingos
que tinham chegado uma meia horita antes.
Café,
muito café, Coca Cola, torrada e um doce. Água fresa para encher os flasks
todos, uns misturados com carbohidratos, outros com sais, outros com água
simples. Foi este o ritual sempre que possível. Mesmo sabendo que a próxima
etapa era curta eu não facilitava... Não conhecia o percurso, não tínhamos
apoio neste primeiro dia... não se arrisca. Siga até à À CPDFN (Centro de
Promoção do Desporto Fluvial e Natureza)
Etapa 3 - Castelo de
Paiva – CPDFN (9,4km, 385D+, 370D-)
A
etapa mais curta de todas as 14. Não chegava bem a 10km, resumia-se a sair de
Castelo de Paiva e entre localidades chegar até ao CPDFN.
O
Luís e o Domingos arrancaram mais cedo. Aqui ainda não sabíamos, mas só
veríamos o Luis no fim... já o Domingos havíamos de reencontrar uns valentes km
mais à frente.
As
pernas já pensavam... depois se uma paragem pesam sempre, e precisam de uma boa
caminhada para aquecer antes que possamos voltar a correr.
Os meus pés estavam impecáveis.... tenho muito medo de bolhas.... eu sei bem o que costumo sofrer nestas brincadeiras.... estive indeciso na escolha das sapatilhas mesmo até à última.... decidi pelas de Trail e até ali a escolha tinha sido acertada.
Esta
etapa foi rápida... poucos km, pouco desnível, e muita estrada.... mas foi
muito bonita também pq tivemos em boa parte o Douro como companhia.... e vimos a
Ilha dos Amores...
O tempo estava quente mas muito longe do que poderia estar e Julho – em comparação com a PT281 que fiz há 3 anos atrás estava fresquinho 😉. Não passou os 30 graus e em boa parte tivemos sempre uma agradável brisa a ajudar.
Chegamos
ao CPDFN que estava fechado.... ainda entrei para ver se havia algum ponto de
água mas nada... a pequena aldeia tb não tinha um café.... estão a ver porque
não devemos facilitar e levar o que nos for possível, especialmente no que diz
respeito a hidratação. Siga até Cinfães....
Esperava-nos
uma etapa dura, com algum desnível, com o calor e o sol como adversário extra.
Já apetecia uma bebida fresca.... entramos em nova aldeia e perguntamos a uma
senhora se havia por ali algum café. Ela disse que sim e indicou-nos o
caminho... O problema era que ficava umas poucas centenas de metros fora da
rota e ainda por cima a subir.
Mas valeu o esforço.... aquela mini gelada soube pela vida, e só não teve mais uma ou duas como companhia pq o álcool iria fazer mossa. Toca a encher os flasks e siga para enfrentar a primeira subida longa… foram uns 8km sempre a subir, em estradão de terra ou mesmo alcatrão. Sempre a caminhar a bom ritmo e a tentar aproveitar alguma sombra nas bermas.
Foi
nesta fase que comecei a notar muito desgaste no Leandro. Começava a ficar para
trás e estava um pouco pálido. Esta parte do percurso teve sempre muitos pontos
de água, fontes, tanques, bicas... não falhei nenhum para me refrescar....
cara, nuca, braços e pernas... a brisa a bater no corpo molhado.... hmmm,
parece que ainda sinto essa maravilha revigorante.
Íamos
mantendo contacto com o Luís e o Domingos.... sabíamos que havia um café antes
de descer para Cinfães. E sabíamos que havia um tasquinho com pratos do dia e
que a senhora do tasco iria esperar por nós. Apetecia uma sopa e comida de faca
e garfo. Ficou mesa reservada e comida encomendada pelo Luís e Domingos antes
se arrancarem.
Ainda
paramos no café para mais uma mini fresca e siga a descer a grande velocidade os
últimos 4km até Cinfães onde almoçamos, carregamos os telefones e os relógios e
onde a intenção era dormir meia horita antes de partir para a Gralheira.
Ainda
nos deitamos pelos cantos dos jardins da cidade mas apesar do muito sono, não
consegui dormir. Os outros pelos vistos tb não. Descansou-se à sombra... menos
mal. Vamos até à Gralheira?
Etapa 5 - Cinfães – Gralheira (25,2km, 1250D+, 540D-)
Previa-se
uma das etapas mais duras, o que se veio a confirmar. Distância e desnível acentuado,
em conjugação com o calor que fazia – muito duro.
E
começou logo mal... ligou o Domingos, estava com uma voz cansada... avisou que
os trilhos para sair de Cinfães eram confusos, que a subida era interminável e
com muita vegetação, desprotegida ao sol sem pontos de água … e para termos
cuidado com as cobras, que já tinha visto algumas, que eram inofensivas se não
se sentissem ameaçadas.
Decidimos
entrar no mini preço e reforçar a água... 3,5 ltr devem chegar. Sair de Cinfães
foi mesmo muito confuso... falhas nas marcações, trilhos cheios de vegetação
sem manutenção nenhuma, mesmo com o track andamos ali às voltas perdidos...
valeu a dica do Domingos que nos tinha dito que tínhamos que passar o rio
Bestança para o outro lado pela ponte... ajudou a seguir a direção certa.
Os
km que fizemos a mais, o tempo perdido, associado ao calor e ao facto de o
cansaço já se fazer sentir a sério, fez com que se entrasse a primeira vez no
"poço"... quem anda nestas coisas das longas distâncias sabe a que me
refiro, sabe que nestas distâncias é uma constante montanha russo de sensações.
No meu caso, era um poço ainda pouco profundo, mas não deixava de ser um poço. Já o Leandro tinha entrado no mais fundo dos poços, sem saber bem o que estava a acontecer... era a primeira experiência dele nestas andanças e estava a fazer a pior das experiências. Foram 18km de subida seguida, não que fosse daquelas muito inclinadas, mas sempre a subir ... subimos uns 1200m... grande parte do terreno era empedrado em trilhos fechados com vegetação alta.
Era
fim de tarde, a partir de meio da subida o sol já não escalda tanto. Nem quero
imaginar o que o Luís e o Domingos passaram, a subir isto no pico do calor.
Fica
na retina um casal de uma casa mesmo à saída da localidade, que nos deu água
fresca.... gente boa. Que maravilha.
Recebi uma msg do Domingos a dizer que tinha chegado à Gralheira, que não se sentia bem e que ia desistir. Tentei ligar várias vezes mas nesta zona não há rede. Sabia tb que o Luís tinha decidido alugar um quarto para descansar.
Nesta etapa fica na memória o esforço teimoso e heroico do Leandro para concluir esta etapa. Ficava constantemente para trás e arrastou-se completamente nos últimos 7km até à Gralheira.
Fiz
esses km com ele na conversa... sabia que para ele a aventura ia chegar ao fim
mas ainda havia um objectivo para se cumprir... os primeiros 100km dele.
Tivemos
direito a um engano no percurso por distração, o que nos levou a fazer mais um
km extra, mas para compensar tivemos direito tb a um por do sol daqueles magníficos
…
…
e chegamos à Gralheira já de noite, passava das 22h. Á nossa espera a Flávia e
o Pai do Leandro com os nossos sacos com muda de roupa. Tb tinham reservado
mesa para jantar e a senhora do restaurante fez-nos uma massa que soube pela
vida.
O
problema agora era o sono que era muito... o frio da noite inviabilizava estar
muito tempo parado, muito menos dormir ao relento .... o Lobo teve a ideia de
alugarmos um quarto tb, para dormir umas 3h... nem é tarde nem é cedo… oupas...
Não
havia rede pelo que não conseguimos contactar o Luís e o Domingos que estavam a
dormir.... soubemos pela Flávia que o Domingos estava melhor e tinha decidido
continuar.... deixamos msg a dizer que iríamos sair às 5h e siga dormir.
Um
duche rápido para tirar o pó por maior e adormeci logo... foram 3h30
retemperadoras.... quando o despertador tocou estava de tal maneira ferrado que
não sabia onde estava.
O
Luis é o Domingos tinham arrancado às 3h.
Para
o Leandro a aventura tinha acabado ali. Foi com certeza duro tomar essa decisão,
mas foi a mais acertada. Como lhe disse, para primeira aventura deste género
esteve muitíssimo bem, cumpriu os seus primeiros 3 dígitos e acumulou
experiências que lhe vão ser muito úteis no futuro. Estas
"brincadeiras" têm uma componente muito grande de experiência, de km
nas pernas, e isso aprende-se. Só tem que estar orgulhoso e relembro sempre que
nada temos a provar a ninguém.
Querem
vir até Castro Daire? Pois terão que esperar … fica para o próximo post. Quem
sabe amanhã 😉
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