sexta-feira

GTSA 2016: O derradeiro desafio do ano para uma iniciante em trail - by Ana Santos


5h00: toca o alarme. Não me custou acordar, pois chegou o dia. A prova durinha para a qual me inscrevi como sendo a aventura do ano, depois de ter reiniciado a corrida e encontrado uma nova paixão no trail. Um desafio de superação que imergiu após ter compreendido que nos trails curtos e longos estava a adaptar-me bem e que queria testar a dureza de outras distâncias e desníveis, ao mesmo tempo testar a minha capacidade de resiliência.
Dos relatos e experiências de companheiros de corrida, e exemplos portanto, surgiram algumas provas-chave que diziam que não podia perder…tendo em conta a minha evolução, queria testar um ultra, mas não queria ultrapassar muito os 50 km para esta proeza. Algumas já tinham passado e, tendo em conta que estava em meados de Junho quando fiz esta decisão e que precisava de tempo para preparação, decidi por uma prova a cargo do Carlos Sá que, além de ser um gigante neste âmbito, todos me diziam que a organização era exemplar. Finais de Setembro…Serra D´Arga, 53km, 3000D+…Norte? Melhor não podia J
Foram 3 meses e pico de conciliação entre treinos curtos e longos no “quintal dos pernetas”, treinos de estrada ocasionais, participação em provas sem grande sentido competitivo (embora tivessem corrido melhor do que ia à espera de concretizar) e recolha de informação entre internet e casos pessoais mais próximos (destaco aqui o Carlos – o perneta que me emprestou o blog para este post J - que foi incansável. obrigada!).
5h30: (caramba, meia horita deu para esta reflexão toda…eheh) Saio de casa, pois tenho 1h30 de viagem e não conheço bem a zona. Falta alguma coisa? Apesar de ter verificado tudo ontem, sinto alguma desorientação por aquele nervosinho miúdo que vai surgindo pela manhã…e até dormi bem! A caminho de Dem, Pearl Jam para acompanhar e de repente: chinelos!! Shit! Esqueci-me dos chinelos…nem pensar em voltar para trás. Bom, café! Café…estação de serviço…fechada!! O quê?! Como é que pode ser?? Ok, segue para o destino, lá terá café. Chegada a Dem; que recepção…ao longo da estrada que precedia o centro da freguesia, ladeavam carros e atletas em preparações para as provas, uns com um sorrisinho nervoso e aquele tique nas pernas como quem “estou a aquecer” ou então “estou com vontade de fazer xixi” e outros em estado de gargalhadas, espalhando a boa disposição logo pela manhã. Paro no campo de futebol onde acabo de verificar todo o equipamento…só falta mesmo o café! Passo pelo controlo zero: check! Encontro a Susana e o Fernando (os “outros pernetas”), sempre bem-dispostos! Café malta, volto já! Ora…estão a ver aquela cena típica da bolsa americana onde só se vêm mãos no ar e não se apanha uma? Era mais ou menos isso que se passava…Ups, mas agora deu-me vontade de fazer xixi!! Xixi, café….café, xixi…necessidades humanas básicas, é claro! Fila no WC…quando saio já está perto do momento da partida…café, vejo-te no final!
8h00: a partida é precedida pelas badaladas do sino; a prova começa neste momento…fiquei de tal forma em êxtase com a partida que nem me percebi do que estava em redor. O primeiro momento serviu para alargar o pelotão…basicamente foi dar “uma volta ao bilhar grande”, mas que foi útil pois serviu para avaliar o estado das minhas pernas que na semana passada estavam, por esta hora, a completar 42km nas 24h de Vale de Cambra e que no final, depois de mais 15 km, deixaram um valente empeno e uma semana só para recuperação…uma aventura em forma de loucura, mas que soube bem no final pelos resultados da equipa J.

Voltando à Serra d´Arga, voltamos a passar o ponto de partida e começamos a subir (eu gosto de subir J)  - trilhos de pedra e arvoredo médio, uma parte queimada L já começávamos a ter contacto com este flagelo…
10h00: Primeiro abastecimento, Mosteiro de São João de Arga; uma buchinha e umas fotos do local, que era mágico.

Entro num bosque ao estilo de uma história de encantar; os pés pareciam que calcavam em nuvens de moliço, emanando um odor fresco e o som da água criava um ambiente reconfortante. J

Sobe-se mais um bocadinho, onde se volta a encontrar outra zona queimada… :/, e então inicia-se uma descida que me surpreende pela positiva: as pernas não se acusaram ao desnível; a natureza e pessoas com que me cruzava descentrava-me de qualquer incómodo que pudesse aparecer – formações rochosas que detinham poças de água (tão fresquinha!!) e apoiantes que se iam espalhando ao longo da estrada e junto à povoação. Continuava em êxtase! Veio de seguida uma subidita (!) que me pôs a caminhar até ao próximo abastecimento. Tempo para foto e buchinha J

Preparei os bastões para a subida que se adivinhava íngreme, apesar de curta. Vamos lá! O ânimo continua.
11h30h – Chegada ao “spot das fotografias”...lol. Sim, era impossível não parar aqui! (pelo menos para quem se principia). Direito a selfie e a confraternizar com outros atletas.



Vá, agora é a descer…tira o pé do travão e aproveita! E assim foi até ao próximo abastecimento, onde parei por mais um bocadinho; aproveitei para verificar pernas: check, água: check; fotos: check, melancia: muita se faz favor… :P



12h15: Podes ir! Agora é quase sempre a subir até lá cima! (ou será descer?!...eheh). aqui corre-se e caminha-se para gerir o esforço; mais zona ardida…as eólicas no topo a marcar o fado e presencio outra surpresa: garranos selvagens!! Quase que não os via…obriguei-me a parar mas nem lhes tirei foto – são selvagens por alguma razão, a máquina fotográfica não tem o direto de os capturar!! Não…é mesmo porque o raio da mochila complicava as manobras de recurso ao telemóvel…yep…). Chegada ao topo marcada no solo por sinalética colorida…só vi edifícios, nem quis parar, foi seguir caminho!!! Quem disse que a partir daqui seria mais fácil?! É a descer, é fácil…sim, seria se a partir daqui a perna direita não começasse a pesar e algum cansaço a acumular…e, para ajudar, uma passadeira rochosa até s. Lourenço da Montaria; eu queria saltar, pinchar de rocha em rocha, mas as minhas pernas não deixavam e eu não insisti…queria fazer mais do que isto! Desistir não está normalmente no meu vocabulário e eu não ia ficar nos 33km. No último km de descida encontrei um companheiro de 65 anos (!) que se sentia a abater…puxei um bocadinho por ele, ainda me acompanhou em quase todo o caminho final, tendo pedido para refrear; perdi-o de vista, mas terminou de certeza! J soube bem e fez-me esquecer as dores da descida por momentos.
13h30: Estou nos 33km. No início desta semana pensei que esta seria uma possibilidade; de ficar por aqui na prova se não conseguisse perdurar fisicamente. Mas cá estava eu, com algumas dores, mas com uma vontade inabalável de chegar à outra meta. Tive uma ajuda preciosa no abastecimento, permitindo que ficasse o tempo suficiente para verificar a água para o resto da viagem, comer e ficar a perceber que os 53km previstos provavelmente sofreriam um imposto de valor acrescentado (não percebi foi a percentagem…); bom, de qualquer maneira segui pelo percurso, saindo do ruído da euforia de quem já tinha chegado aos 33km e dos apoiantes que se aglomeravam. J
Entrada em campos e trilhos que nos levam para longe da povoação; a partir daqui uni forças com o Sergio (um companheiro de La Guardia) que seguia com um compasso muito próximo do meu e prometemos passar juntos a meta! Quando dava para conversar, hablábamos un poquito, puxando um pelo outro e relacionando com os atletas com quem nos íamos cruzando. O bom espírito deu para progredirmos sem deixar de aproveitar as maravilhas que nos apareciam:
15h20: cascata do rio Âncora – percurso magnífico que o curso de água nos ofereceu a partir daqui.


Ao logo do curso ainda deu para emergir as pernas na água fresquinha!! Só faltava a mini! Eheh. Bom, mais uma subida…Vamo Sergio, falta poco! (o no…). Passamos um parque de merendas, onde estava um grupo de malta descontraída mas não descurou do apoio aos atletas! Foi fixe! Mais uns trilhos técnicos e umas subidas…apesar de cansada, estava a gostar muito do percurso J
Paragem para hidratação e um gel, antes de uma subidita (!!) até ao próximo e último abastecimento. Vamo Sergio, falta poco! A minha intuição viria a revelar-se certa; não é que aparece uma donzela a ligar para o namorado a encomendar uns chinelos (se por acaso tiveres dois pares…só por acaso…) e diz: “o quê? Ainda me faltam 8km?”…eu sabia que por esta altura só deviam faltar 5 km…mais 3??ai ai ai ai…o Sergio percebe e trocamos olhares como quem diz “estamos f(j)od%”&s”…chegada ao abastecimento para tirar umas pedritas do calçado e nem pensar em parar muito tempo…agora, mais do que nunca, não parar!!
17h10: finalmente, terminaram as subidas! Mas, espera…vem a descida…como será?? Começo a recolher os bastões e iniciamos a correr devagar…de repente surge uma dor aguda no pé esqº…que ardor…que bolha!! Puff, fez-se um empecilho para o resto da jornada…Ahhhhh! E agora, que dói mais? Ah, a perna direita – eu já nem sabia se era o músculo “piridisforme” (nesta altura normal é que não estava…), se era da fáscia lata ou do cá#&7&o…as lágrimas espreitavam mas eu cobria com as persianas, pois agora era para aguentar até ao fim!! Agora era o Sergio: Ana, lo siento…falta poco. Engraçado como a partir daqui já não era eu a puxar por ele, mas ele por mim. Ao começar a avistar alguns adeptos da prova próximos da meta e a sentir o apoio e a finalização de um objetivo senti como que uma leveza inexplicável – tudo deixa de doer! Será adrenalina, será incredulidade? Esta ultima não será certamente e acredito que a adrenalina bata assim!! J Passo a meta com o Sergio e os filhotes dele, reencontramos companheiros de prova com quem fomos cruzando ao longo destes 57,5Km e ouvem-se os aplausos de quem por lá passou ou quem simplesmente compreende o esforço que se trilhou até ali! É uma sensação boa! Agora tenta disfarçar o andar até ao carro…lol
Foi uma prova durinha, apesar de ter perdido em desnível, ganhou em distância…foi justo! Completei e fico com a resolução de cá voltar, para recuperar tempos e as paisagens da serra na sua vertente salutar. Bem ao jeito das pequenas flores que se insurgiam no meio das zonas ardidas fico com a impressão de que ainda há esperança, para a Arga e para a Ana J

6 comentários:

  1. Muitos parabéns Ana por passares a pertencer ao distinto clube dos Ultra-Maratonistas!

    Gostei do relato que privilegiou as sensações que é o que fica bem entranhado nas nossas memórias.

    E sim, esse é um fenómeno recorrente, ao avistarmos uma meta de algo tão duro, passam as dores momentaneamente :)

    Beijinhos e boa continuação de boas corridas!

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  2. Mais uma vez, muitos parabéns Ana!
    Pena teres conhecido Arga numa fase tão "negra", mas para o ano já há-de estar tudo verdinho outra vez. ;) Tens de voltar e subir à Pedra Alçada e à Glória. 2017, aponta já! :)
    Beijinhos, és grande!
    (e tu também Carlos, não fiques com ciúmes... :P Lol)

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  3. Grande atleta e grande escritora! Muito bem corrido e muito bem escrito! Agora "abre" um blogue que o Carlos Cardoso leva muito carro pelo aluguer do espaço que eu bem sei! Um explorador o Perneta! :))))) Beijinhos e fico à espera de mais uma ilustre colega na Blogosfera Corredora. Quando abrires o "tasco" avisa que eu divulgo no meu blogue.

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  4. Olá Ana e parabéns pela estreia ter corrido como correu e onde correu!

    Agora é continuar e também a escrever assim!

    bjs

    PS: Carlos, finalmente selfies que não assustam neste blog, aprende.

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  5. Até que enfim uma subida de nível literário neste blog... (palmas palmas)

    Parabéns Ana! Muitos parabéns! Iniciante = Ultra?!?!?!

    O relato está impecável. Continua

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  6. Parabéns Ana, por te dares a conhecer um pouco mais aos clientes aqui do Tasco do Perneta.
    Parabéns por isso, pela prova e pelo relato. Vais longe!
    Perneta que se ponha a pau... ;)

    Beijinhos

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