Trail de Santa Iria 2016 - muito, muito bom

No domingo de Carnaval disfarcei-me de Atleta de Trail e fui até Branzelo, distrito de Gondomar, participar num grandioso desfile pelos Trilhos de Santa Iria.

Mas antes de falar da minha prova quero começar pelo fim.

Muitos parabéns à organização dos Trilhos de Santa Iria, uma organização simples mas muito eficaz, que não nos brindaram apenas com um excelente e duro percurso, marcado de uma forma exemplar, bons abastecimentos e brindes, mas acima de tudo conseguiram colocar o pessoal daquelas aldeias todo a participar de uma forma como eu raramente vejo … senti-me em casa desde que lá chegamos, fosse com as pessoas encarregues de nos entregarem os dorsais, a velhota simpática que veio cá fora dizer-nos que podíamos estacionar à vontade em frente a um portão, porque ali não havia carros, ou com as piadas dos velhotes do tasquinho da esquina, que às 7 da matina já estavam a enfiar uns paralelos no bucho … foi como se já fossemos da casa J. E o que dizer dos voluntários durante o percurso … a palavra simpatia é pouco para os descrever … piadas eram uma constante, prestáveis, preocupados, organizados e muito bem informados sobre a prova … e olhem que nem sempre é fácil aturar as nossas manias e estados de espirito J … o meu muito obrigado a todos eles…. 10 estrelas J

Vamos à minha prova … sábado de manhã fui fazer um treininho de 7km com o Zé Miguel pelos Trilhos das Caldas … foi uma semana normal de treinos, afinal Santa Iria era para ser “apenas” um treino longo, mais durinho … naturalmente que aproveitei para experimentar as minhas novas sapatilhas e o resultado foi tão bom que decidi que as ia levar à prova. Ao fim da tarde choveu a potes, além de vento ciclónico. Estava a caminho do Porto nessa altura, e só para terem uma ideia da coisa, fiz muitos km a 60km/h na auto-estrada pois não se via quase nada, era só lençóis de água. Imaginei-me no meios das Serras com um temporal assim …. não ia ser bonito de se ver. Mas à noite a coisa melhorou, a chuva diminui para “chuva molha tolos” e o vento parou.

Domingo, 6.30h estávamos no Beto para o primeiro café, aliás como sempre. Apenas destaco o Bruno que além da Bola de Berlim (que é de profissional) enfardou um Sumol … até me arrepiou os pêlos do sovaco … Deus nos livre!!! Mais valia uma mine  J ...

… siga para Branzelo onde chegamos 20 minutos depois para levantar os dorsais e ir tomar o segundo café do dia (e ir infestar a casa de banho dos homens) … passamos o tempo a ver os gajos que foram a seguir a nós, a sair da casa de banho - não sei porquê, mas além de brancos saiam a cambalear JJJ ... antes de rumar ao café aconteceu algo que viria a condicionar a minha prova … o Badolas tinha desaparecido quando fomos levantar o dorsal e não atendia o telefone … enquanto os outros foram para o café, eu como BOM AMIGO (se fosse ao contrário bem que me fod… quer dizer, lixava J) fui à procura dele … é que ele amua com facilidade, só por causa disso J … dei umas passadas a trote a subir a estrada principal e senti um dor ligeira na zona da virilha direita … não liguei muito a isto, encontrei o Badolas e fomos ter com a malta ao café. Depois viemos ao carro equipar e seguimos para a zona de partida … tudo tranquilo, sem stresses … o tempo estava frio e húmido mas não chovia … está bem assim S.Pedro, não mexe J

ó pra elas a dar os primeiros passos na corrida ... não tarde nada são nomeadas Pernetas oficiais

... palhacito ... ao olhar para esta foto acho que já descobri quando dei cabo da "virilha"

love is in the air .. la,la,la,la,la,laaaaa ....ou seria frio :)

quando mija um português, mijam logo dois ou três ... e um tira-lhes fotos

... não corremos um caracol, mas em boa disposição ninguém nos ganha ...

... o gajo vê mal ... só pode ... e depois não sabe porque tem o braço esquerdo 10cm mais comprido que o direito ....lol

8.30h deu-se a partida dos 37km com umas duas dezenas de atletas. Segui tranquilo, “sozinho” … o Filipe foi no grupo da frente e o Badolas, Américo, Bruno e João ficaram mais para trás.

O percurso todo é um autêntico pente, ora sobe, ora desce, mas também tem partes mais planas, muito corriveis. Os tipos de trilhos eram muito variados, tínhamos estradões em terra, single-tracks com vários tipos de piso e dificuldades, trilhos com muita pedra (Fragas, ora secas ora húmidas mas tb pedra solta), zonas de rio com um pequeno troço que faz lembrar os Abutres outro que me fez lembrar a zona de rio o UTDP ou UTAM … e inclinações brutais, umas mais longas, outras mais curtas, a descer ou a subir (só assim se conseguem mais de 2000m D+ ou 4000m acumulados).

A minha prova teve duas fases distintas … a primeira que durou até aos 9km, em que fui sempre a um ritmo certinho, confortável mas sem ir a malandrar … corria sempre nos planos, em algumas subidas e nas descidas também. Poucas ou nenhumas paragens para fotos, porque ia numa de levar a prova mais a sério do que o habitual, sem no entanto tentar chegar ao meu limite. Ia muito bem … falando com este e com aquele, avançando a bom ritmo … aos 9km tinha uma média abaixo de 7min/km o que para mim é excelente, mesmo com a primeira subida brutal pelo meio, daquelas mesmo mesmo complicadas, tal a inclinação … nessa subida aconteceu algo engraçado … ia ali um grupinho mais ou menos junto, com os “lamentos” habituais por causa da dita subida que não tinha fim, quando um dos atletas abre a mochila e começa a dar música (literalmente) ao pessoal … parecia que tinha um coluna dentro da mochila J … só sei que foi a risota geral, até houve quem dançasse e a subida fez-se melhor J

ri-te, ri-te ... daqui a um bocadinho já vais ver ...

hehehe ... o risinho já se foi ...

…. o problema foi quando cheguei ao cimo e virei à direita para um terreno mais plano e quis começar a correr … lembram-se da dor na virilha antes de começar a prova? Pois … agora era a sério … uma dor forte, e pior era que me prendia todo o movimento da perna direita … não conseguia correr, e mesmo a caminhar era com muitas dificuldades … parei, alonguei mas não melhorava … lá fui a caminhar em grande esforço para tentar chegar ao abastecimento dos 11km … na mente a ideia firme de desistir … a sério … acho que nunca estive tão perto de desistir de uma prova … estava muito longe para concluir a prova,  naquele estado era impossível e além disso os meus objectivos para os próximos tempos não me permitem grandes paragens e não queria arriscar uma lesão mais grave … foi isso que disse ao Américo que me apanhou nesse lindo estado … ele decidiu ficar comigo até ao abastecimento, mesmo tendo eu insistido para ele ir à vidinha dele que eu estava bem …. É preciso ter azar, ali ia eu a fazer uma belíssima prova, a “curtir” verdadeiramente cada metro, sentia-me bem a todos os níveis e tinha que me aparecer uma coisa destas … acontece … ia resignado … “será a minha primeira desistência … algum dia tinha que ser a primeira” …. e assim cheguei ao Abastecimento dos 11km … “vocês tem alguma pomada tipo Voltaren ou gelo em spray???” …. “não temos, mas pergunte ali aos bombeiros!” … mas os bombeiros tb não tinham … “isso é medicação, não estamos autorizados a dar” … ok, acabou-se … e fui comer e beber … que belo abastecimento, tinham tudo o que se precisa, doces e salgados, fruta …  vi uma placa a dizer “17km” … passava ali o percurso dos 17km … disse ao Américo “olha … vou regressar por ali, vou nas calminhas nem que seja a caminhar até ao fim” …. estava decidido … vou desistir mas em grande J … olhei uma última vez para o mapa do percurso dos 37km e reparei que o próximo abastecimento seria tb aos 17km … “é páh … tanto faz fazer os 6 que faltam até Branzelo como até ao próximo abastecimento” … alteração de planos ... tá decidido J … e lá segui com o Américo ….

.... tentei correr e senti melhorias, sentia uma pequena impressão mas dava para correr, sempre na defensiva e a medo …  sempre na companhia do Américo, na conversa, o receio foi-se desvanecendo com as primeiras subidas e descidas feitas a trote … e passado pouco tempo já nem me lembrava que ainda há uns 3 ou 4 km atrás nem caminhar normalmente conseguia … a partir daqui entrei em modo “turismo”, a desfrutar do percurso, conviver com a malta e tirar umas fotos (a velha desculpa – “não é que esteja de rastos, só estou a parar para tirar uma foto” – funciona que é uma maravilha). E assim fomos, vencendo primeiro uma longa descida e depois uma igualmente longa subida antes de chegarmos ao abastecimento dos 17km. Estava de volta … a dor tinha desaparecido, muscularmente impecável sem acusar qualquer desgaste … muito bom. Mais uma bananita, umas batatas fritas e uns amendoins salgados, um bocadinho de bolo, isotónico …. uma olhadela para o mapa de altimetria impresso no dorsal … “próximo abastecimento aos 20,6km??? Só 3km??? … ó diabo, o que é que vem aí??!!!” …

… depois de descer até aos 170m, por volta dos 18km iniciava-se uma ingreme subida até a um parque de eólicas, e depois até ao marco geodésico para chegar aos 524m de altitude – tudo isto em ca. 3km. Um pouco antes de chegar ao ponto mais alto, lá estava o abastecimento nr.3 onde não demoramos muito tempo, pois estava um ventinho frio que até arrepiava J

... estava frio neste abastecimento ...

Foi muito giro percorrer o topo das serras, de um lado o rio Douro a fazer um cotovelo, do outro as serras, estradas a serpentear pelos montes, e as eólicas imponentes com as pás a girar sem fazer barulho… do outro lado do rio fica a fronteira do Centro de Estágio dos Pernetas, tb conhecido como o meu Quintal J

.. ó pra ele .. quem diz que o Perneta não corre nas descidas ...

Pelo mapa de altimetria estava na hora de entrar na parte que eu mais temia … uma descida ingreme de 3 km, dos 23 até aos 26km…. e começou logo como eu temia … single-track, muita pedra, quase na vertical … escusado dizer que fui por ali a baixo a “ganir” … depois melhorou a nível de piso e já dava pelo menos para ir a trote até que ca. dos 24km a dor na virilha voltou em força …. Nesta altura ia sozinho … o Américo nas descidas ganhava terreno e eu apanhava-o nas partes planas ou a subir …. Fonix … estive ali parado uns segundos, olhei para o mapa para ver a que distância ficava o próximo abastecimento … faltam 2-3km … o problema é que a descida bruta ainda ia a meio … e agora? … massajei a zona, alonguei um pouco e tentei descer a passo … com muito cuidado … senti-a ali uma impressãozita mas dava para continuar … nada do que tinha sentido entre os 9 e os 11km, mas um aviso para não abusar. Sigaaaa…. esta parte teve uma das partes mais bonitas de todo o percurso ... um troço junto a um rio com algumas centenas de metros que fez as nossas delicias ....

 

… no abastecimento dos 26,5km demoramos algum tempo … culpa da organização, porra!!! Malta porreira, abastecimentos recheados com destaque para o chouriço assado e pão … hmmm… imagimen o seguinte …. andam na serra à umas horitas, alimentados a uns bolitos, umas frutas e a beber isotónico …. Já passa da hora de almoço há algum tempo, além disso já estão a pé desde muito cedo … resistiam a presunto, chouriço assado e pão??? Aqui o Perneta fez logo uma sandocha que foi um mimo …. Pãozinho (hidratos de carbono) + uma camada de presunto (proteína e sal para precaver as cãibras) + uma camada de chouriço assado (mais proteínas e mais protecção para cãibras – Perneta prevenido vale por dois) + uma camada de batatas fritas (acho que estava a perder muitos sais J) …. MARAVILHA!!! … só faltou a bela da mine … os pessoal dos abastecimentos ofereceu (tinham lá para eles), mas eu recusei … estava ali mais malta, e se davam a um tinham que dar aos outros …  custou-me sair dali, vá se lá saber porquê J

... olhem para isto ....

... e isto ....

... o Américo a empurrar a carrinha da organização ... sempre pronto a ajudar :)

... MARAVILHA...

Tivemos agora um parte onde corremos quase 3 km seguidos … aproximava-se o que diziam ser a mais dura de todas as subidas …. o maior bicho papão de todo o percurso, e supostamente a última grande dificuldade …. E aos 30km lá apareceu esta placa….

.... engraçadinhos ....

… e esta subidita que em certas partes obrigava a bater com o nariz no chão …. Aquela merda fez-me lembrar o elevador do Paleozóico (ainda não fui comparar, mas a coisa não deve andar longe … talvez seja mais curta, mas fonix …. Deu uma luta do cara…go J) … subimos ca.230m mais ou menos num km... 

Mas lá vencemos o bicho …. 32km … estava feito … agora era descer até à meta, com uma ou outra rampa pelo meio …

… mas antes disso ainda havíamos de parar no último abastecimento … aos 33km (o mesmo onde eu estive mesmo para desistir aos 11km) … “querem uma bifana???” …. “Já cá devia estar J”   …  “não há cerveja?” …. “arranja-se” …. “venha ela!!!” … e desta vez veio mesmo, um copinho para mim e outro para o Américo para acompanhar a Bifana …. MARAVILHA J …

... a Minnie insistiu muito em tirar uma foto comigo ... é o preço da fama ...

… sigaaa até à meta … os últimos km, tirando raras excepções, foram feitos a correr … entramos por Branzelo e aparece um velhote a dizer “tá quase, são só 100m não são 400” …. ??? … não sei o que ele queria dizer com aquilo, a realidade é que não foram 100m, mas tb não foram 400m … cortei a meta com o Américo ao fim de 6h10 aproximadamente, deu-me quase 39km (devo ter feito as curvas por fora J) , um desnível acumulado ligeiramente acima dos 4000m. E acabei muito bem, fisicamente (sem dores), perfeitamente capaz de continuar e psicologicamente tb … bem disposto, satisfeito com tudo o que tinha vivenciado (ok, aquele problema na virilha era escusado) e com a perfeita noção que a forma está a evoluir. Fazer um trail com esta dureza e chegar ao fim no estado em que cheguei é mesmo muito bom.

Recebi a medalha, um pouco de converseta com alguns amigos que já tinham chegado, comezaina e estava na hora de voltar para casa. Já começava a ficar com frio.

Como sempre, todos os Pernetas acabaram a empreitada. Não só os habitués (Filipe, Bruno, Badolas e Américo) na distância mais longa, mas também algumas meninas que começaram à poucas semanas mas andam cheias de vontade e fizeram os 11km. Valentes!!! Bem, ainda não sei se as podemos considerar parte integrante do Gangue dos Pernetas, mas não devem tardar. Um destaque especial para o João Sousa, que é atleta do ciclismo, e que além de uns 10km pelos trilhos do Perneta nunca fez mais nada parecido a pé … meteu-se na distância mais longa, neste trail duro e difícil e finalizou-o … estão sentados? Ele no dia anterior tinha feito 6 horas de bicicleta J …. Acompanhou o Bruno e pelo que consta andaram a varrer os abastecimentos todos ... “para as coisas não irem para o lixo” …. ouvi dizer, que no abastecimento das bifanas comeram 4 cada um e beberam o resto da cerveja ao pessoal … não, não estou a brincar J … CAMPEÕES!!!

Bela jornada, como referi logo no início, um Trail que me surpreendeu muito pela positiva, por tudo. Já me tinham dito que era muito bom. Acho que merecia mais participação, pelo menos nos 37km (ca.200 atletas) – maior participação foi nos 17km. Também há que referir que ontem foi dia do Trail de Santa Luzia e do STUT … tudo a norte do Douro no máximo a 100km uns dos outros. Não tomei banho nas piscinas, mas pelo que me disseram a água estava fria …. Brrrrr …. uma falha que não belisca em nada a excelente organização. Mais uma vez parabéns e obrigado por tudo J

é daquele trails em que chegas ao fim mais pesado do que antes de começar :)

Deixei para o fim, umas palavrinhas sobre a minha experiência com as Ultra Raptor da La Sportiva. Este trail teve as condições ideais para as testar em qualquer piso … desde simples terra batida, passando por trilhos florestais fofos, travessias de rios e riachos, lama e poças de água, pedra solta e fragas secas, húmidas ou até encharcadas sem esquecer uns bocados em alcatrão ou empedrado. Perfeitas!!! Pronto … não preciso de dizer mais nada, mas vou dizer :) ... até à data só tive dois pares de sapatilhas de trail …. nada de nada a ver …. as Ultra Raptor agarram-se a tudo … eu estava tão mal habituado às minhas anteriores que sempre que via pedra molhada parava e andava ali a passo de caracol com medo de mandar um malho … de tal forma, que ontem nas mesmas condições a minha primeira reacção era parar para ver onde podia meter os pés, demorei um pouco até que comecei a ganhar confiança e depois já ia de lanço … agora é que eu percebo porque nunca ganhei uma prova JJJ …. depois em piso duro e irregular não se sentem as pedras … mesmo tendo um aspecto pesado (parecem botas das obras), são bastante leves e muito confortáveis … consigo correr com elas a ritmos altos sem problema em alcatrão ou estradas empedradas devido ao bom amortecimento … com as minhas Asics anteriores sentia cada passada nos tornozelos e joelhos quando o piso era muito duro …. absorvem muito bem as pancadas, pelo menos sinto-as muito menos …. a diferença do que eu tive até hoje para as Ultra Raptor é abismal, nem dá para comparar. Faz muita diferença, um dia destes ainda me arrisco a ganhar uma prova … mas para isso teriam que eliminar os abastecimentos, as descidas ingremes e técnicas, já agora também as subidas, as passagens pelos rios, os atletas simpáticos, proibir as meninas nos trails de usar calças justas, calções ou saias, o melhor mesmo seria proibir as inscrições delas por completo, já agora proibir tb os gajos que correm pra caraças e parecem maquinas, as paisagens e o uso de Gopros, tlm e maquinas fotográficas durante a prova …. ok … só me podia inscrever mesmo eu, e mesmo assim era menino para ficar em 2º ou até nem ir ao pódio J