segunda-feira

Maratona de Roma - bem disse que não me cheirava



„Merda ... cá está ele ... já fostes“ … ia aos 9km da Maratona de Roma e o “piquinho” na coxa direita tinha chegado. Bastaram mais 500m para começar a arrastar um pouco a perna direita a cada passada e outros 500 metros a tomar uma decisão, decisão essa que já estava pré-tomada desde 3ª feira da semana passada quando tive que abortar um treino ligeiro aos 2,5km. Ia desistir da Maratona de Roma.
Parei no abastecimento pouco depois dos 10km para beber isotónico e alonguei um pouco – acho que era a vontade de continuar, o esperar que fizesse algum movimento furtuito que pudesse devolver-me à estrada sem problemas, um milagre que me permitisse lutar para terminar a 11ª Maratona de estrada da minha carreira de atleta de pelotão. Ainda voltei a correr … umas poucas centenas de metros à frente vejo a tenda da cruz vermelha do outro lado da rua, a perna prendia a cada passada, não houve milagre … a parte sensata do cérebro mandava parar, a parte emocional do cérebro mandou-me continuar o que fiz por mais uns 100 ou 200m antes de parar, dar a volta e refugiar-me dentro da tenda quentinha. Não seria a paragem definitiva … depois de explicar o meu problema, de levar com um spray de gelo na coxa e a enfermeira me perguntar “vai continuar?” (em italiano claro), a minha parte emocional veio ao de cima e saí pela tenda fora cheio de vontade de continuar.
Mas desta vez não há história de superação, de lutas titânicas, sofrimento, sangue e por fim glória. Nada disso … desta vez fui vencido ou tive juízo … uns poucos metros mais à frente dei a volta, entro novamente na tenda e digo à enfermeira chefe “Finito” …
A minha Maratona de Roma resume-se a este bocado, a um pouco menos de uma hora entre o tiro de partida e a minha 2ª entrada na tenda aos 11km a dizer “finito”.
a caminho do coliseu...



... cá está a equipa maravilha & amigos

Esses 11km não foram fáceis por causa da chuva e do vento, do frio e da trovoada que nos acompanhou durante todo o tempo sem dó nem piedade. Este foi um dos motivos da minha desistência ali – tinha imaginado vários cenários – num deles via-me a alternar caminhada e corrida até à meta só para acabar. Eu a caminhar normalmente não sentia qualquer problema, poderia tentar pelo menos mas não nestas condições – chuva, vento e frio era hipotermia garantida. Não demorou 10 segundos e já estava envolto numa manta térmica, sentado num cantinho numa cadeira e já me estavam a colocar uma manta quente pelas costas – o pessoal da cruz vermelha foi 5 estrelas em simpatia e disponibilidade – faltou foi organização, mas sobre isso falo mais à frente.

Ali sentado num cantinho comigo estava um americano de Houston com quem comecei logo converseta – o problema dele tb era muscular, mas estava bem pior, penso que chegou mesmo à contractura o que eu consegui evitar. Ele estava bem disposto o que foi bom pois encaramos a coisa na desportiva e fartamo-nos de rir. Pior estava um colega ali deitado na maca à nossa frente – era um italiano (supostamente faz 2h15) que tinha caído e batido com a cabeça no chão – tremia de frio apesar dos 5 cobertores que lhe tinham colocado, estava branquinho e sempre a coçar a cabeça. Não tardou muito e chegou o próximo “cliente”, desta vez um rapaz novo, belga, que rasgou um gémeo e veio sentar-se ao meu lado. Logo de seguida um italiano, perto dos 60 talvez, a barafustar da sua má sorte – outro com problemas musculares na coxa. Era o único que estava com “ar desesperado” … só me dizia que hoje era para recorde … e eu a dizer-lhe que Maratonas há muitas. O homem lá se acalmou passado pouco tempo e juntou-se num cantinho ao belga, ao americano e aqui ao Perneta Tuga.


... nem parece que desistiram de uma Maratona ... um tuga, um belga e um americano



A nossa questão era quando nos levariam de volta à partida/meta junto ao Capitólio. Aqui começava a confusão – ninguém sabia ao certo (eram uma dúzia deles, entre enfermeiros, bombeiros e médicos) mas lá nos foram dizendo que só depois de passarem os últimos. Á pergunta quantos km seriam até à meta ninguém soube responder, tal como qual seria a estação de metro mais próxima. Coloquei todos os cenários porque conseguia caminhar sem problemas e entretanto tinha parado de chover. Pronto … vou ter que esperar, e para passar o tempo vim cá para fora assistir à passagem da malta da Maratona.


Nesta fase apanhei o pessoal a partir dos balões das 6h30 até às 8h – sim, em Roma havia balões para quem quisesse fazer 7h30 ou até 8h. Eram muito poucos os que iam dentro destas faixas de tempo. Dei comigo a pensar naquela velha questão se isto é ou não fazer uma Maratona. Será? Correr uma Maratona não é de certeza… a maior parte daquelas pessoas ia a caminhar, uns mais vigorosos outros menos e isto aos 10km … alguns corriam um pouco quando nos viam, penso que por vergonha, mas pouco depois de passaram voltavam à caminhada. Por outro lado vi a alegria e a força de vontade daquelas pessoas e emocionei-me … dei comigo a incentiva-los porque estavam ali a esforçar-se, tal como eu quando corro a Maratona ao meu ritmo, ou um queniano qualquer que vai a lutar para vencê-la … nem mais nem menos. A maior parte daquelas pessoas não são dotadas para fazer desporto, muito pesadas, alguns com deficiências físicas notórias e muitas pessoas idosas que provavelmente já fizeram muito desporto na vida delas e que agora já não conseguem faze-lo como antigamente mas continuam a estar presentes, no fundo a sentir-se vivos. E é tão bom vê-los ali felizes. Porque não? Prejudicam alguém? Pelo contrário … aconselho todos nós a assistir um dia, numa Maratona ou outra prova qualquer do tipo, ao esforço destas pessoas, ver a alegria e a motivação com que encaram estes desafios é uma lição de vida. Podem demorar o dobro ou o triplo do tempo mas acreditem que não é por se esforçarem menos, acho até que será o contrário, para lá chegar a superação é bem maior. Grandes exemplos!!!





Depois de ter passado o último junto do balão das 8h – o balão era preto, que raio de cor J - vinham as maquinas de limpeza atrás, e logo depois um ambulância. “Finalmente” .. estava ali já à mais de uma hora. Mas qual o meu espanto de em vez de nós entrarmos na ambulância, saíram de lá 3 atletas que foram enfiados dentro da tenda – todos eles com problemas musculares. Um deles tremia como varas verdes … era preto, muito magro … fisionomia de atleta profissional nestas andanças … um rápido olhar para o dorsal … Nr.4, cor amarela … elite, sem qualquer dúvida. Mas o que é que um desgraçado do elite que se lesionou anda a fazer no meio dos comuns mortais, a ser transportado de um lado para o outro de ambulância? Sinceramente não sei … ele tremia tanto de frio que estava a ver que ia morrer ali. Disse a um dos atletas italiano e a uma enfermeira … “Elite… Elite” .. e apontava para o dorsal … penso que perceberam porque houve logo uns telefonemas, uma confusão danada e pouco depois apareceu um carro da organização que o levou a ele e aos outros dois que tinham chegado com ele (e que sendo brancos e mais velhos tinham aspecto de verdadeiros atletas).

O problema é que eu e os outros 3 continuávamos ali, com uma dúzia de pessoal da cruz vermelha, umas 3 ou 4 ambulâncias paradas e a prova já tinha passado há mais de 15 minutos. Confesso que já não estava a achar piada nenhuma, nem eu nem os meus companheiros de azar. Depois de muito barafustar, de uns a mandar para um lado, outros para outro. lá disseram para entrar numa das ambulâncias onde ficamos uns bons 5 minutos à espera até que voltaram a abrir as portas e a mandar-nos sair para entrar num carro. Só vos digo que se estivesse a morrer, morria ali. Não entendo, não faltavam ali meios, desde pessoas a veículos de todo o tipo e não havia maneira de se entenderem – pelo que me apercebi eram equipas diferentes, havia 3 ou 4 chefes e não se entendiam quanto às responsabilidades. E não havia ninguém da organização presente o que é incrível.
Ao fim de mais de 1h30 lá nos levaram até à zona do Capitólio. Mas pensam que o problema acaba aqui? E não é que não nos queriam deixar entrar na zona da meta??? Eu disse a um que não queria medalha nenhuma, mas que precisava de entrar para ir buscar a minha mochila com roupa – barafustou, disse que não podia fazer nada, virou costas e desapareceu – nem um fulano da cruz vermelha e um da protecção civil ele respeitou. Isto tudo com pessoal na meta a assistir – estavam a chegar os atletas com ca.2h35 – só houve uma solução – desmanchou-se uma parte do gradeamento e entramos à força – e acham que alguém veio ter connosco a perguntar o que estávamos a fazer? Zero … viram e ignoraram. Segurança? Zero.
Ainda encontrei a minha Maria com a Lia, a Sónia e a Isabella que estavam a chegar à meta para assistir à chegada do pessoal, troquei de roupa e fui para o Hotel tomar banho e mudar de roupa.
A Maratona de Roma não me deixa saudades e não é pelo facto de ter desistido. A organização é péssima e aproveitadora. Começa no acto de inscrição em que nos obrigam a comprar um Runcard que nos dá acesso às provas em italia - são € 12,- extra que não te vão servir de nada – compreendo que o exigam a um atleta que corra em Itália, agora a um estrangeiro? Depois respostas a mails quase zero – davam hipótese de lhes escrever em 4 línguas, uma delas o alemão. Enviei um mail em alemão com umas dúvidas, várias vezes, para ter resposta quase dois meses depois a pedir que escrevesse em inglês ou italiano porque não tinham ninguém para responder em alemão. A confusão continuou com os certificados médicos. Muito mau mesmo – relembro que estamos a falar de uma das mais conceituadas Maratonas da europa, na capital italiana. O percurso deve ser interessante, apenas fiz 10km mas existe muito de histórico para ver – fiquei desiludido com o público e com o apoio nas ruas – a chuva forte terá influenciado no inicio, mas quando cheguei à zona de meta inserida num espaço fantástico (Capitólio, Coliseu, etc) o ambiente era desolador … o público amorfo, e um speaker a dormir que não puxava nada pelas pessoas. Pelo que me disseram os meus colegas do CAL que fizeram a prova toda, foi quase sempre assim com muito poucas excepções pontuais. Até a medalha de finisher não é grande coisa – as fotografias na net enganam. Os pontos positivos são sem dúvida nenhuma a boa organização no levantamento dos dorsais – tudo funcionou bem. Muito boa a mochila que ofereceram assim como a T-Shirt da prova, ambas da New Balance.
Uma palavrinha de enorme orgulho para todos os meus amigos calenses que estiveram nesta Maratona. Nunca antes havia tantas dúvidas se a malta acabava a Maratona ou não. Tirando o Luis Lobo (2h48 e novo RP que é fantástico) e o Filipe Fontes (3h06, novo RP, mesmo tendo saído do fim do pelotão) todos os outros se prepararam mal ou nem se prepararam sequer – Badolas, Bruno, Zé Miguel e Américo – todos acabaram a Maratona com tempos não muito longe dos melhores registos e acima de tudo em bom estado. Fiquei muito feliz com isto – faltei apenas eu para completar o ramalhete mas pronto – estão todos de parabéns, sois grandes – mais uma jornada de sucesso do CAL além fronteiras.
Quanto a mim é lógico que gostava de ter mais uma Maratona no currículo. Sabia que era quase impossível e estava já preparado para a desistência que veio a acontecer. Foi bom encontrar um americano bem-disposto apesar do azar para passar aquela primeira hora. Apenas quando passei na meta é que me senti um bocadinho triste porque me consegui imaginar a passar ali mas tendo cumprido os 42,195km e completando mais uma – mas foi apenas um pequeno momento. Estive e estou de bem com a decisão que tomei – embora difícil voltaria a fazer o mesmo. Maratonas há muitas e a próxima será no Porto em Novembro deste ano. Até lá outras aventuras virão – mas primeiro tenho que me por bom.
Em situação normal teria que voltar a Roma para correr a Maratona e matar o “bicho”. Mas não sei … fiquei um pouco desiludido e existem outras que pretendo fazer. Talvez um dia …
O bom é que este fim-de-semana a Maratona foi só uma desculpa para ir a Roma … foram 3 a 4 dias espectaculares com um grupo fenomenal. Mas isto merece um post à parte.

16 comentários:

  1. Excelente relato, apesar do desfecho. Agora percebo a questão do baralho de cartas que tanto jeito teria dado! Tens razão quando dizes que Maratonas há muitas, mas a nossa saúde é só uma.
    Recupera bem e com calma. A ver se nos encontramos no Porto! Abraço!

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    1. Obrigado. Um baralho de cartas tinha dado jeito, embora tivesse perdido muitos pormenores interessantes e alguns que me irritaram que agora dão para rir.
      Abraço

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  2. Uma decisão consciente e acertada. Como dizes, provas (maratonas) há muitas e para as cumprir é necessário estar bem, ou minimamente bem. Recupera, trata de ti e em breve voltas a voar. Beijinhos. ;)

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  3. Pois Carlos... quando não dá, não dá mesmo e temos que tomar uma decisão muito corajosa pois dói pra burro!

    Curioso e muito interessante o relato visto dum lado que não é habitual mas fiquei muito decepcionado com as outras coisas que contaste. Para fazer essa Maratona até tenho estadia garantida mas fiquei um pouco de pé atrás com o que contaste.

    Um grande abraço e força! (o Porto é que irá pagar as favas!)

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    1. É verdade .. mas não doeu assim tanto. Agora o problema é aturar os outros Pernetas que sismam que uma Maratona tem 11km para mim :) :) :)
      Atenção que não é tão má como pode transparecer, o percurso é bonito ... agora a falta de organização e o "chuliço" é de bradar aos ceús .. não estamos a falar de uma organização caseirinha tipo Trilhos dos Pernetas :)
      Grande Abraço (e sim, digo-te já que se estiver bem, para o Porto quero preparar-me convenientemente para um objectivo muito ambicioso)

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    2. Aqui que ninguém nos ouve... depois desta a tua mãe passa a ter razões para te perguntar quantos kms tem a maratona! :P

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    3. A minha rica mãezinha afinal tem razão ... ela é que sabe ;)

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  4. O que interessa é que não rebentaste com tudo!

    Por isso, descanso e juizo.

    O relato que fizeste da organização da maratona mais algumas fotos que colocaste...balde de água fria.

    Isto se eu algum dia correr uma maratona...claro.

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    1. é ... um gajo vai aprendendo alguma coisa, e Viana foi uma grande aprendizagem.
      A Maratona de Roma não é má, mas de todas que fiz é a pior, sem qualquer dúvida. O Porto dá 5-0 a esta, já para não falar de Madrid, Paris e a espectacular Maratona de Múnster na Alemanha.
      Um dia quem sabe ... ainda és um moço novo ;)
      Abraço

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  5. Vais-me desculpar, mas adorei ler esta tua aventura, apesar do desfecho. Grande abraço perneta, vê lá se tratas disso! Já fizeste alguma eco ou ressonancia? Quando dizes que a passada fica presa, não será uma micro-rotura?

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    1. Tás desculpado ... sabes, não foi bom ter desistido, mas teve coisas boas tb, fiz novas experiências ;)
      Vou fazer uma eco na 3ª feira para despistar ... não é nada de especial dizem, uma inflamação na inserção entre o músculo e o tendão. Micro-ruptura tive em Viana. Já ando a tomar medidas ... Abraço

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  6. Carlos, estás de parabéns pela corajosa decisão. Não é fácil mas a saúde tem de estar sempre primeiro.
    É como dizes, maratonas há muitas :)
    Vemo-nos no Porto! ;)

    Boa recuperação.

    Beijinhos meus e abraço do Vitor

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    1. Mesmo na hora não sendo fácil, depois de tomada a decisão sabemos que foi o mais acertado. Se não for antes vemo-nos no Porto. Beijinhos

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  7. Correr em Itália pra mim é um sonho....adoro o país , maratona de Roma e Veneza ...quem sabe...
    Abraço

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    1. Itália é um país que vale a pena visitar sem dúvida nenhuma. Muita história, a comida então :):):) … mas esta Maratona deixou muito a desejar, e não foi por não a ter concluído. Costume dizer a "brincar" que o problema de Itália é ter muitos italianos ;) Abraço

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