quinta-feira

111km de Sicó - mais uma aventura

 

6ª feira consegui tirar a tarde … cheguei a casa já passava das duas da tarde e decidi ir descansar um pouco antes de preparar as coisas.

Costumo ser um gajo bem organizado quando vou para aventuras deste tipo, mas desta vez fui bastante negligente deixando tudo literalmente para a última da hora. A única coisa que tinha feito foram uns papelinhos com o que queria levar na mochila e no saco para a base de vida e uma espécie de copianço com as distancias e altimetrias entre abastecimentos.

Programa:

15-17h – dormir a sesta e ver se não me esqueço das sapatilhas de trail

17-18h – preparar os sacos e ver se não me esqueço das sapatilhas de trail

18-18h30 – cozinhar uma pasta com “redons” e ver se não me esqueço das sapatilhas de trail

18h30 – chega o Lima para jantar e ver se não me esqueço das sapatilhas de trail

20h – arrancamos para Condeixa e ver se não me esqueço das sapatilhas de trail

21h – levantamos os dorsais e ver se não me esqueço das sapatilhas de trail

22h – arrancamos para os 111km e ver se não me esqueço das sapatilhas de trail

A sesta não durou as duas horas, acordei antes mas deixei-me ficar e soube muito bem. A noite anterior tinha sido muito má … a Sara tinha ido levar duas vacinas e das 2 às 5h da manhã tivemos direito a festa … logo na noite em que precisava de descansar. É como é …

A preparação dos sacos foi caótica … “onde está o segundo frontal??” … depois de o encontrar é que lembrei que é a pilhas e não tinha pilhas sobressalentes para ele. Mas está com luz forte … chega bem. Levo os géis e as barras ou não? Os abastecimentos costumam ser fartos e as distancias entre eles curtas … no último segundo decidi levar os géis e umas barras (às vezes é preciso ter sorte nas decisões que se tomam 😉). Perdi bastante tempo a encontrar cenas que só uso nestas aventuras (por exemplo o Halibut creme gordo para os pés ou os comprimidos Imodium que levo sempre mas felizmente nunca precisei) – e como já não fazia nada disto há mais de um ano não encontrava merda nenhuma … e com isso estava a perder tempo  e a stressar porque ainda tinha que cozinhar e o Lima estava a chegar.

isto ainda tem uma certa logistica...

Mas à boa maneira tuga um gajo desenrasca-se … e quando a campainha tocou, já cheirava a uma bela pasta com molho de azeite e tomate, bróculos e cogumelos e alguns camarões para “decorar” … a Pikinita chegou logo depois e juntou-se ao jantar … modéstia à parte estava muito bom, de tal forma, que enchi a pança … sem problema … ainda tenho mais de duas horas para fazer a digestão.

a carregar as baterias ...

caralho ... um destes 4 mal soube que um gajo estava a jantar não demorou 5min a aparecer ... adivinhem quem é ... uma dica ... não sou eu nem o careca...

Seriam 20h e estávamos a arrancar para Condeixa …e eu com as sapatilhas de trail nos pés 😉…  1 horinha de viagem calma e estávamos a estacionar. Levantar os dorsais, equipar no carro e ir a pé para a zona de partida … ainda deu para um último café e confraternizar com alguns conhecidos … da nossa zona havia alguns a estrear-se nestas distâncias … Outlaws, Run&Fun … o Carlos, antigo colega no TEAM FAZFUMO, o João Roso colega administrador da saudosa página Trail Runners pela Verdade …

bota creme ...

vais demorar muito....

isto até estava a correr bem ...

Curiosamente estava muito tranquilo … nem com o aproximar da hora fiquei nervoso. Sabia que não estava bem preparado, mas também não encarava esta prova como um enorme objectivo … tinha-me inscrito pelo Bruno, já a tinha feito em 2020 e não tinha nada a provar a ninguém. Mas estava ali para acabar isto, e contava com a experiência que tenho em provas longas. E tinha a companhia do velhinho do Lima … o gajo é um chato do caralho, mas a gente até se entende …

mais uma velhinho!!!

E o Bruno? O menino que nos meteu nisto tinha decidido trocar para os 60km … partia às 8h30 de Santiago da Guarda onde nós passaríamos com 50km. Das duas uma, ou nos encontrávamos com ele lá e seguíamos juntos, ou se passássemos mais cedo, ele teria que dar à perna para nos apanhar.

E partidaaaaa … lá saímos a trote pelas ruas de Condeixa em direcção às ruinas de Conimbriga … tudo em pelotão, um pelotão bastante reduzido para o habitual. Havia apenas 160 inscritos …

Estes primeiros 9km até Beiçudo são muito corriveis, tal como os 15km seguintes até ao Castelo de Penela. Fomos sempre tranquilos, muito na cauda do pelotão como habitualmente fazemos … não seríamos os últimos, mas não haveria muita gente atrás de nós. A saída de Condeixa tem sempre muito público entusiasta e animado … muito bom.

Logo no primeiro abastecimento havia bifanas … tal como na primeira edição. Em 2020 lembro-me de não pararmos, desta vez paramos para comer um pouco de fruta e beber a primeira garrafa de água com gás. E sigaaa para Penela ..

Foi em Beiçudo que vindo de trás somos apanhados pelo Silvério. Eu juro que dois minutos antes tinha pensado nele, achava que ele devia estar ali … e não que estava mesmo??? E acabou por ser a minha sorte uns poucos km mais à frente …


Estaríamos a meio de caminho para Penela quando o meu frontal passa de luz forte para pisca-pisca …”como? Ainda nem 3h … não pode” … facto é que uns 10 minutos depois apagou-se …. eu tinha-o carregado em casa antes de sair, tenho a certeza … sem stress, coloquei-o a carregar na mochila com a Powerbank e coloquei o outro (o a pilhas, lembram-se? … só que as pilhas estavam gastas e não tinha outras … e a luz era super fraca não conseguindo ver quase nada. O Lima não tinha frontal suplente … valeu-me o Silvério que me ofereceu o suplente dele … obrigado Silvério … não sei como teria sido a minha vida sem o teu frontal.

E em amena cavaqueira, ora a correr ora a caminhar, chegamos a Penela os 3 juntos… 24km estavam feitos. Pouco cansaço e bem-dispostos, aproveitamos este abastecimento um pouco mais … muitas caras conhecidas da organização e tb o Miguel Lopes a quem desde já agradeço todo o incentivo ao longo de toda esta jornada, pois foi aparecendo ao longo do percurso.

A nossa táctica de hoje era a de quase sempre que nos metemos nestas aventuras … é de etapa em etapa. E a próxima, a etapa 3 era curta…

Penela – Casas Novas - apenas 9,5km mas com 400mD+

… com passagem por Gemanelo e umas descidas bem complicadas. Ainda por cima começou a chover o que veio a dificultar ainda mais pois enlameou boa parte do percurso e a lama era daquela pastosa que se colava às solas e fazia com que as sapatilhas perdessem grande parte da aderência que tinham.

Confirmou-se … foi a primeira etapa que nos deu uma sova e colocou à prova. O tempo que até ali se tinha aguentado bem, lá nos trouxe as primeiras chuvadas … uma primeira subida muito ingreme até ao alto de Germanelo … de noite as subidas fazem-se melhor, acho eu … não conseguimos ver quanto falta e por isso não sofremos por antecipação 😉 … nessa subida o Silvério ficou para trás … “não vos consigo acompanhar a subir…”  ….. “já nos apanhas a descer…”

A descida a partir do Germanelo é terrivel, tem uma inclinação brutal … hoje ainda está pior … lama, escorrega pra caraças … quem acompanha este cantinho sabe que eu sou o pior “atleta” do mundo a descer … a culpa é do meu Mantorras direito, que não tem estabilidade. No inicio do século parti o joelho, foram rupturas totais do rotuliano, dos ligamentos… 10 semanas de gesso, 2 operações, o músculo despareceu, a recuperação demorou 3 anos … e neste processo todo tive que voltar em parte, aprender a andar novamente … acontece que o meu cérebro bloqueia sempre que vê algo que possa ser perigoso … para um simples salto de um degrau de meio metro o meu cérebro para o movimento e desata a pensar onde colocar o próximo pé de forma segura …. agora imaginem uma descida, talvez uns 20 a 30% de grau de inclinação em single track, com socalcos, enlameada e escorregadia, e no escuro … pois …

Nos primeiros metros atirei os meus bastões lá para baixo e fui de sku … entretanto passa o Silvério na boa … nunca mais o veríamos 😉 … demoramos uma etrenidade a chegar lá abaixo … sempre que podia aproveitava os tufos de erva nas laterais … ideia que já outros tinham tido, pois as laterais estavam tb já bastante calcadas. Um alivio quando chegamos cá abaixo sem ter caído nenhuma vez. Sigaaaaa ….

Antes de chegar às Casas Novas ainda tivemos outra descida deste tipo … tb esta vencida sem qualquer queda … ainda hoje não sei como. E chegamos ao abastecimento … 34km já estavam feitos … esta já custou.



Casas-Novas – Santiago da Guarda …. 17km e 500mD+

Depois de termos descansado um pouco e abastecido de uma forma mais consistente, estava na hora de partir para uma das etapas mais longas. Neste abastecimento já havia gente maltratada, alguns vitimas de quedas feias e que iam desistir. Comi uma sopinha salgada que me soube pela vida e tomei um café … a noite ainda ia a meio … não tinha sono, mas era preciso precaver … como disse “ treinar corrida não treinei um caraças, mas treinar privação de soninho foi um fartote … obrigado Sara 😉” …

Esta etapa iria nos levar até à Base de Vida onde nos esperava um saco com uma muda de roupa, entre outras coisas. Voltou a ser uma etapa mais ou menos tranquila, onde rolamos benzinho sempre sem qualquer exagero, intercalando corrida com caminhada.

Foi durante esta etapa que fomos apanhando um monte de gente, entre os quais o Mike e o Claudio … “a Céu???” …. “pôs-se a andar” … nunca a cheguei a ver em prova .. bela estreia nestas distâncias (as baixinhas são lixadas) …

… tb encontramos um ou outro meio perdido à procura do percurso certo pois não estavam habituados a usar os tracks em GPS … alguns reclamavam a dizer que estava mal marcado … nós fizemos toda a prova sem grandes enganos … os que houve foram pequenos e por distrações nossas … mas estávamos a seguir fitas e a usar o track da prova ao mesmo tempo … nunca houve grandes dúvidas… agora confesso que quem seguisse apenas fitas iria ter alguns problemas pois havia poucas e em algumas zonas mais criticas (por exemplo numa ou noutra aldeia, ou num ou outro corte) mais umas fitas tinham resolvido tb esse problema.

Houve uma fase em que deveríamos ir uns 20 todos em fila indiana …. nem sei de onde apareceu tanta gente .. parecia que tinha chegado um autocarro 😊

nesta fase chegamos à Maratona ...

E foi mais ou menos em grupo, já com os primeiros raios de luz a aparecer, que chegamos à Base de Vida em Santiago da Guarda … seriam umas 6h30 e faltavam 2 horas para a partida dos 60km, ou seja … menino Bruno … a gente arranca e tu apanhas-nos, se puderes … ainda não imaginava que iria ser bem mais cedo do que esperava.

Decidi não mudar de roupa, iria chover pelo que não iria adiantar nada … além disso, tirando o cheiro a cavalo morto ao sol, estava confortável com o equipamento que trazia … apenas meti umas meias limpas na mochila para eventualmente trocar durante a segunda parte da prova.

vou manter a roupa ... aguentem...

Demoramos algum tempo … de tal forma que quando arrancamos já todos os outros que tinham chegado conosco já iam longe. O costume …sigaaa


Santiago da Guarda – Pousadas Vedras – 15km com 450 D+

Lembrava-me bem desta etapa de 2020 … o desnível era feito na subida da Serra de Sicó e as minhas recordações eram boas, um percurso bonito e relativamente fácil. Pois …

A primeira parte correu bem … a parte entre campos verdes até ao sopé da Serra de Sicó foi tranquilo entre corrida, caminhada e conversa. 


A subida à Serra tb foi tranquila, apesar de ter começado a chover forte … e quando estávamos a chegar ao topo fomos apanhados pelos primeiros dois dos 60km … “então Perneta???” … era o Marcelo Araújo que iria vencer esta prova e ali por volta dos 10km já liderava isolado …

O ser reconhecido, por muita gente que eu não conheço, ou apenas das redes sociais, foi uma constante … é o que faz pertencer aos Pernetas e ser palhaço nas redes sociais … se fosse pelo que corro ninguém me conheceria.

Chovia de tal forma que nem me atrevi a tirar o telefone para uma foto no topo da Serra. Agora seriam 5km até ao abastecimento, grande parte deles feitos num single track sem desnível pelo topo da serra …

O problema era o piso escorregadio … com a chuva e as centenas de pés que já tinham calcado o percurso, o trilho estava muito escorregadio … foi nesta fase que começaram a vir de trás cada vez mais atletas dos 60km … o meu cérebro mais uma vez bloqueou e as minhas passadas eram muito cuidadosas e por consequência lentas. Ao mesmo tempo tinha que ir olhando para trás para ver se vinha alguém para encostar e deixar passar …não queria atrapalhar ninguém.

Só os via passar, com passadas fortes e sem qualquer receio da lama e das pedras … “como é que estes gajos não escorregam?” … mas não demorou muito a ver alguns a apanhar uns valentes sustos e vi um a cair mesmo à minha frente – esse nem se apercebeu da sorte que teve … bateu com o costado no chão com violência … o que ele não viu, foi que as costelas ficaram a uns 5cm de um calhau bem afiado … com a força que ele bateu no chão eram umas quantas costelas que teriam ido à vida. Felizmente teve sorte … levantou-se, sacudiu a lama e seguiu viagem, sem medos … Valente!!!

O Lima tb caiu … pena não conseguir explicar por palavras … estou a rever a cena e a rir-me como um tolinho … ele ia uns metros à minha frente … talvez uns 10 ou 15 … ao deixar passar um gajo que vinha de trás, quando voltei a olhar para a frente vi o Lima sentado num arbusto na lateral do trilho, como um rei numa poltrona … foi preciso ir tirá-lo de lá … “então? O que andas a fazer?” … “escorreguei e caí caralho … “ …. o gajo tinha escorregado, rodopiou  caiu no “cadeirão” e ficou ali como uma barata tonta, sentado sem se conseguir levantar … que puta de galhofa … até as lágrimas me vieram aos olhos de tanto me rir … só visto.

Ainda estávamos a rir e vem mais uma malta de trás … encosto e deixo passar como sempre … ao voltar a colocar o pé no trilho olho para trás para ver se não vem mais algum em quem não tenha reparado … só me lembro de sentir o chão a fugir-me, tentar me manter de pé sem sucesso, torcer, sentir um estalido e uma força estranha no meu Mantorras, o meu joelho direito … e dei um grito …

… fiquei mesmo assustado, naquele momento achei que tinha voltado a partir o joelho … fiquei ali agarrado ao dito cujo a tentar perceber a extensão da coisa … entretanto chega o Lima … “acho que me fodi” … foram apenas alguns segundos mas foram terríveis.

O Nuno ajudou-me a levantar … pousei o pé com cuidado … conseguia estar de pé … conseguia dar uns passos embora sentisse umas pressões estranhas dentro do joelho. Mas tinha força e conseguia dar passadas estáveis … se calhar safei-me de algo mais grave … vamos com calma, vamos ver quando arrefecer …

Os próximos 2km vão ser ainda mais lentos … se o meu cérebro já estava bloqueado, devem imaginar agora … cada sitio onde colocar os pés era analisado ao pormenor … acho que vou ficar no próximo abastecimento, não vale a pena arriscar e além disso vou atrasar o meu compincha.

Entretanto vão passando algumas caras conhecidas que vem nos 60km… um deles é o sempre bem-disposto Carlos, um dos 356 irmãos Oliveiras lá da nossa zona. “Atão caralho?? “ … contei-lhe resumidamente o que se tinha passado e ele lá zarpou – aproveito para lhe dar uns parabéns pela excelente estreia numa Ultra … depois veio a confessar que ficou preocupado comigo, que não estava com boa cara quando me viu …

único registo desta fase ... parabéns moços

Pouco depois passa um gajo que me diz … “o vosso amigo Bruno vem aí atrás…” …. E pouco depois lá vinha ele … todo bem-disposto como (quase) sempre e a fazer um directo para a página dos Pernetas sobre o momento … a partir daqui a história é a 3.

Demorei uma eternidade a chegar ao abastecimento … sempre numa luta mental entre o desistir e o ir andando. Já tinha feito esta prova, não tinha nada a provar a ninguém e o meu maior receio era atrapalhar a prova dos meus amigos. Vale a pena ir até ao fim nestas condições? Para quê? Por outro lado já tinha feito mais de metade e tirando algum receio, sentia-me bem.

No abastecimento comi uma sopinha, descansei um pouco. Encontrei a Isa que estava ali toda empolgada e acabou tb ela por fazer uma enorme prova nos 60km (parabéns moça – ainda bem que não vieste conosco – ias atrasar).

O joelho direito estava estável … sentia um incómodo … se fosse muito grave já teria inchado, acho eu. Não me tinha apercebido é que no outro joelho, no esquerdo, havia uma dor num tendão algo impeditiva. Acho que ao tentar evitar cair devo ter dado um esticão … mas dava para corrinhar e caminhar … tomei um Benuron e decidi seguir até ao próximo abastecimento … lá decidiria se continuava ou não.

 

olhem o ar de amuado do Lima por não haver massa com carne ...

Pousadas Vedras a Carvalhais – 15km com 500mD+

Foi uma etapa tranquila mas demorada. O sol tinha aparecido, o céu estava azul … excelente tempo para andar em trilhos … deu para apreciar as vistas e entramos no esquema que viria a ser a nossa forma de avançar até ao último abastecimento.


O Bruno e o Lima na frente, desapareciam sempre que havia uma descida … eu a tentar acompanhar o melhor que conseguia … a descer continuava bloqueado, cheio de receios e perdia muito tempo … muitas vezes tiveram que ficar à minha espera … eu até estava com força, porque inclusivamente corria em algumas subidas para recuperar terreno.

O meu Mantorras até que se estava a portar bem … seria do Benuron? Acho que não, porque no outro tinha as tais dores no tendão que com o passar dos km me estavam a limitar um pouco os movimentos.

Nesta etapa piorei muito dos meus pés … o meu eterno problema. Até ali sentia algumas pequenas bolhas a “nascer”, mas nada de especial … com o constante travar nas descidas e os dedos a bater na frente das sapatilhas comecei a ter dores horríveis, principalmente no dedão grande do pé direito.

lá vão eles ...

E foi assim, meio a ganir e a tentar não atrasar muito os meus amigos que chegamos a Carvalhais.

Neste abastecimento aconteceu a que não estamos habituados em organizações do Mundo da Corrida … se no anterior já tinham falhado para connosco, ao não ter massa com carne (tinha acabado e disseram para esperarmos uns 15 ou 20 minutos), neste além de não ter nada de grande sustento foi preciso “pedinchar” um pouco de queijo para colocar num bocado de pão … o Lima ao tirar um bocado de queijo, veio um segundo bocado agarrado e foram-lho tirar … o meu espanto foi quando olhei para um colega e lhe deram uma sande de presunto com queijo, algo que estaria escondido … pois nós não tivemos direito. Já participei em algumas provas desta organização, e nunca tive nada a dizer, muito menos dos abastecimentos que sempre foram fartos até demais. Desta vez tenho a dizer que não foi assim, foi sofrível … não sei se era por sermos do fundo da tabela, mas quando chegávamos, os alimentos mais consistentes já tinham ido, pelo menos para nós … safou-me a sopa. Nunca esquecer que os últimos também precisam de se alimentar. E ainda bem que trouxe os géis e as barras. É uma critica construtiva, que fique bem claro.

Vamos ver as eólicas? Já não pensava em desistir … ia demorar, mas ia até ao fim.

Carvalhal – Eólicas – 5,5km com quase 200m D+

A etapa mais curta da prova resumia-se a sair da aldeia, e subir, subir, subir …. Sempre com as eólicas no campo de visão, até a uma Capela (não sei o nome) e aos baloiços de Soure.






O tempo continuava bom, o céu azul … eu continuava a dar o meu melhor para me chegar aos meus compinchas, gemendo a cada passada … com as dores nos pés nem me lembrava dos joelhos. Foi nesta etapa que me rebentou uma bolha do calcanhar do pé esquerdo … quem sabe o que isto é, conhece as dores que isto provoca … horríveis … mas tb sabe que depois deixa de doer e fica melhor que antes. Tal e qual. Agora só faltava rebentar a do calcanhar direito 😉

Eólicas – Zambujal – 13km com mais de 800mD+

Com ca. de 86km nas pernas iriamos agora enfrentar uma etapa muito dura, com um sobe e desce que nem era bom. Pelo meio, muita pedra e alguns trilhos bem técnicos como um troço dentro de um ribeiro seco que nos obriga a andar aos saltos, agarrados a árvores e troncos, algum sku tb …. e eu com os dedos dos pés tão fodidos (é este o termo certo). Foi um massacre mais psicológico pois físico apenas dos pés … e dos joelhos… e das costas …. 😉 …

A última vez que vi os meus colegas neste troço foi a uns 4km do Zambujal … estavam parados debaixo de uma árvore a comer gomas … ainda sobraram duas para mim 😉 … depois disso zarparam e só os viria a ver no Zambujal.

foi nesta altura que saquei a melhor foto do dia

Já era fim de tarde e o dia estava a por-se …. Será que consigo chegar ao abastecimento sem voltar a colocar o frontal? Não consegui … tive que colocar o frontal e curiosamente com a noite de volta a coisa começou a fluir melhor. Até nas descidas corria. Eu acho que sei porquê!!!

Como apenas o frontal não se vê tão bem como de dia, não me apercebo tanto dos supostos “perigos” do trilho, o meu cérebro não bloqueia tanto. Só pode ser isso ..

As dores dos pés continuavam lá … de vez em quando dava uns pontapés numas pedras ou nuns tocos e as dores eram de morrer. Tinha que parar para gemer, mas logo depois retomava o meu caminho … o meu dedão direito deve estar bonito deve … foi nesta parte final desta etapa que rebentou a bolha no direito … apesar das dores fiquei contente … sabia que dali para a frente estas bolhas já não seriam problema.

O tempo não para … estava tranquilo, porque estávamos com muita margem para acabar os 111km. Mas estava preocupado com o Bruno … faltavam 11km e ia ficar apertado para ele chegar a Condeixa antes das 21h30.

Mal entrei no abastecimento do Zambujal a minha intenção era encontrar o Bruno para lhe dizer para zarpar e não esperar. Não foi preciso … ele já estava pronto para arrancar, só esperou que eu chegasse e arrancou.

Fiquei ali um pouco com o Lima, uma última sopinha, fruta, um pouco de pizza com queijo (aqui ainda havia) … malta simpática da organização como sempre nos habituaram. “Vamos acabar isto velhinho?”

Diz um moço da organização …”2h30 e acabam isto … vocês tem tempo”

Mas a nossa intenção era outra … nem foi preciso falar, já temos muitos km juntos e quase que lemos os pensamentos um do outro. Vai ser sempre a “abrir” …

Zambujal – Condeixa – 11km com 300mD+

Lembrava-me de algumas partes desta etapa de 2020. Sabia que tinha uma subida terrível antes de descer para entrar nos trilhos da Cascata.

Saímos a correr … a bom ritmo (um bom ritmo com 100km nas pernas e com os pés desfeitos é ali à volta dos 6m/km) 😊. … e começamos a passar outros atletas … 1 ali, um grupo de 3 acolá, mais outro ali … uns atrás dos outros.

A tal subida terrível, que são duas subidas seguidas foi feita a caminhar mas de uma forma muito vigorosa … e passamos mais alguns.

A descida empedrada que veio de seguida também não nos fez parar … nem a mim, imaginem … ao fim de mais de 100km estávamos onfire.

Entramos no Trilho da Cascata e aí a coisa teve que abrandar um pouco, pois além de ser uma parte mais técnica, é perigosa e necessita de algum cuidado, estamos de noite e ainda mais porque o discernimento já não é o mesmo devido ao cansaço acumulado.

Ainda houve tempo para alguma resmungice, porque o percurso nos “obriga” a percorrer todos os passadiços novos nequele local antes de finalmente subirmos para as ruinas de Conimbriga e iniciarmos o regresso a Condeixa.

“está feito velhinho…” …. Olha o spot onde ontem à noite paramos para uma mija … olha o spot onde o Lima foi cagar em 2020, a 2km da meta 😉 … fizemos estes últimos km a trote … toca o telefone, é o Bruno a dizer que chegou, se ainda demoramos muito … “5 minutos…”   … “ok, então eu espero…” … maravilha, chegou a tempo.

E pouco depois estava eu e o meu amigo Lima a cruzar mais uma vez a meta em Condeixa … apesar de tudo meia hora mais rápido do que em 2020 … 23h29m.


Tempo de despedir do Bruno, que estava com frio e tinha que voltar a casa. Tempo de ir buscar uma cerveja para brindar a mais esta aventura concluída, receber os prémios finisher, comer mais qualquer coisita e ir tomar um banhinho antes de voltar para casa.

A viagem de volta foi engraçada … depois do banho fiquei com sono, mas como era apenas 50min de viagem, viemos embora. Usei alguns estratagemas como ligar ao Bruno, colocar a música alto, falar com o velhinho como se não nos víssemos há anos e ainda houvesse coisas para contar … ele estava ko de sono, já não dizia coisa com coisa … que riso … e assim lá chegamos a casa.

Resumindo esta aventura, foi o possível para quem não treina para isto. Mais uma vez a minha experiência em aventuras longas foi a chave, pois permite-me ir adaptando a progressão à forma como me vou sentindo. Estranhei nunca ter entrado em nenhum “poço fundo” durante a prova … acho que teve a ver com o ritmo da segunda parte da prova e a tal “paciência” que se tem que ter.

Aliás, há duas provas … AQ (antes da queda) e DQ (depois da queda).

AQ (por volta dos 60km) – não posso jurar, mas acho que se não tivesse caído, o nosso tempo final poderia ser ligeiramente abaixo das 20h, ou pelo menos dentro das 20h. Normalmente fazemos provas de trás para a frente, e com a gestão que vínhamos a fazer, provavelmente iriamos conseguir. Não sabemos.

DQ (depois dos 60km) – fui uma arrastadeira, tenho perfeita noção disso. Atrasei os meus compinchas mas hoje fui eu, amanhã será outro. Além da paciência que se tem que ter para gerir os km, eles tiveram que ter uma dose extra de paciência para irem esperando por mim. Ainda disse uma vez para irem à vidinha deles, que eu me desenrascava, mas sabia perfeitamente que não o iriam fazer. E na verdade, para quê? Para fazer 76º em vez de 85º lugar? Por outro lado, assim permitiu gerir o esforço com mais facilidade.

O percurso de Sicó nos 111km continua a enganar … ouve-se muito dizer que é “rolante” ou “corrivel” … concordo em parte … os primeiros 30km sim, e são perigosos porque se exageras nessa fase levas um estouro que nem é bom. Depois disso tem muitas partes que te desafiam, algumas inclinações muito pronunciadas, não tão longas como encontramos em provas com verdadeira montanha, mas mesmo assim boas para te lixar as penas e o resto. E tb muita pedra nos trilhos para te lixar os pés. Este ano teve igualmente muita lama que veio aumentar o grau de dificuldade … mas estamos no inverno e por isso sujeitos a isto.

A organização esteve bem no geral. Nas marcações, como já descrevi, podiam ter reforçado um pouco mais as fitas, especialmente em algumas zonas. Mas usando o GPX não havia engano possível, a não ser por distracção. Pelo menos eu não me enganei, o misto entre fitas e track levou-me à meta com 111km e uns pozinhos. Mas há que ter em conta a malta que ainda não domina bem a navegação por track … por outro lado é com enganos que se aprende.

Mas acho que ficaram um pouco aquém em alguns pormenores … a bitola estava alta, porque como já referi, as outras provas que fiz com eles foram do melhor. Desta vez baixaram um pouco … nos abastecimentos como já referi mais atrás …  na simpatia de uma forma geral estiveram impecáveis – não é uma ou duas excepções que fazem baixar o nível … a camisola que deram é de fraca qualidade … costumo guardar as camisolas deste género de aventura como recordação, esta confesso que deve ir para o monte das “ofertas” … em 2020 foi diferente. Se por acaso alguém da organização ler isto, considerem críticas construtivas … no essencial nada falhou, mas são pequenos pormenores que fazem a diferença entre um organizador fenomenal e um normal. E vocês habituaram-me a serem fenomenais.

Queria agradecer todo o apoio que recebi, equipa, mensagens, posts … e dar os parabéns aos muitos conhecidos que participaram nesta empreitada, muitos a estrear-se nestas longas distâncias. Malta dos Run&Fun, Outlaw Runners, Bravos … a maior parte acabou a empreitada de forma brilhante numa estreia … para quem não conseguiu por um ou outro motivo não desmoralizem, faz parte … isto às vezes parece fácil mas não é … e considerem aprendizagem … de certeza absoluta, que numa próxima estarão muito mais preparados, foi um passo atrás para dar lanço… e como sempre digo, ninguém tem nada a provar a ninguém. Chegando com 15 ou 24h, somos todos amadores e não vivemos disto … a diferença é que uns chegam mais rápidos, só isso.

Silvério … obrigado pelo frontal … não fosses eu não sei como me ia desenrascar.

Por fim agradecer aos companheiros de viagem …

Lima – mais uma aventura juntos … quem diria, quando andávamos na rua das nossas avós a brincar, que quase 50 anos mais tarde iriamos andar a brincar por montes, serras e vales 😉 … e obrigado pela paciência!!! ….quando é a próxima???

Bruno – meu menino grande … meteste-me nesta merda e fugiste com o cú à seringa. Foi o melhor que fizeste. Aliás, eu duvidei que conseguisses fazer até estes 60km … confesso … eu sei que és um gajo duro, mas achei que esta empreitada iria ser um pouco demais nesta fase. Mas enganei-me e ainda bem …. Muitos parabéns!! Não é para qualquer um!! Para mim és o MVP desta jornada … e que isto seja o inicio para mais aventuras, que sirva de motivação para arrancar para uma empreitada lá para inicio de Novembro.

Doritos – o teu velhinho está cada vez pior … agora nem ler os teus bilhetinhos consegue sem óculos. É como é … obrigado por tudo!!! Tu sabes 😉

Quanto a mim, daqui a 1 mês tenho a meia maratona da Primavera. Até lá é recuperar das mazelas e fazer uma prova tranquila sem grandes aventuras que não há tempo para isso. Depois lá mais para a frente logo vemos ….

… e pronto … mais um testamento.

Ahhh ... esperem, esperem ... ai pensavam que isto era só coisas lindas e fotos giras e coiso ... quem comeu a carne agora que fique com os ossos ... BOM APETITE

este é o meu dedão grande 2 dias depois ... agora imaginem ..


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